Klaus Chaves Alberto: O trabalho que amplia o acesso à história do espiritismo
Entrevista por Eliana Haddad
“Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o arquiteto e urbanista Klaus Chaves Alberto coordena o trabalho de organização, tradução e publicação dos acervos de cartas e documentos originais de Allan Kardec, que estão sendo disponibilizados digitalmente na plataforma da Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, através de um portal de pesquisa intitulado Projeto Allan Kardec. Klaus é membro do NUPES, Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde, e explicou ao Correio Fraterno como funciona esse projeto e a importância de tê-lo associado aos temas da pesquisa acadêmica em uma universidade. Como começou o seu envolvimento nesse projeto para disponibilizar documentos e manuscritos de Allan Kardec no portal online? O CDOR, Centro de Documentação de Obras Raras da FEAL, Fundação Espírita André Luiz, nos procurou para avaliar o interesse em disponibilizar publicamente os documentos de seu acervo. A organização e a disponibilização digital de acervos, antes restritos apenas a consultas presenciais, são um trabalho relevante para qualquer campo de investigação. O The Newton Project, da Universidade de Oxford, e o Darwin Correspondence Project, da Universidade de Cambridge, são exemplos desse esforço. No NUPES, já cultivávamos a ideia de fazer algo semelhante com Allan Kardec, considerando tanto a importância de suas investigações, realizadas no século 19, quanto o seEntrevista por u impacto na cultura nacional. Com a procura pelo CDOR, criou-se uma oportunidade imperdível para concretizar estas ideias.
P – Como é realizado esse trabalho?
R – O principal trabalho do projeto é a realização de transcrições e de traduções dos manuscritos. Para isso, todo documento é analisado por diferentes tradutores, garantindo sempre a participação de um nativo na língua francesa. Os tradutores seguem uma política editorial do projeto, no entanto, eventuais dúvidas e questionamentos sobre aspectos específicos da tradução são debatidos entre eles e também com outros pesquisadores da história do espiritismo para garantir a qualidade do documento a ser disponibilizado.
P – Quais as conquistas do projeto até o momento?
R – Uma das conquistas foi a ampliação dos acervos disponibilizados. Iniciamos o projeto com apenas um acervo (coleção Canuto Abreu) e, atualmente, trabalhamos com a disponibilização de manuscritos de mais dois acervos distintos (AKOL e Forestier), reunindo 191 documentos. Outra conquista foi a criação de ferramentas de busca no portal, que contribuem para a localização de dados específicos nos manuscritos. Disponibilizamos também uma linha do tempo que permite a visualização dos manuscritos em sua relação com outros eventos que ocorreram na mesma época. Todas estas conquistas representam o esforço para garantir a melhoria do serviço prestado pelo portal.
P – Quantos documentos já estão disponibilizados?
R – Atualmente temos 163 manuscritos transcritos e traduzidos, 28 sem tradução, 15 imagens e nove minibiografias.
P – Ainda existem muitos documentos históricos inéditos para serem divulgados?
R – O trabalho ainda está começando; temos muitos manuscritos para transcrever e traduzir. Nossa equipe é composta por voluntários, com ela conseguimos realizar aproximadamente 10 transcrições e traduções por mês. Como os acervos são grandes, temos alguns anos de trabalho pela frente.
P – Qual a importância de se ter acervos como esses numa universidade?
R – Tais acervos disponibilizam fontes primárias inéditas sobre Allan Kardec, o que permite investigações mais densas sobre seus métodos de investigação, suas relações pessoais e mesmo novas informações sobre aspectos de sua biografia. Além disso, esses documentos contribuem para um melhor entendimento do contexto em que Allan Kardec vivia. Neste sentido, interessam também para pesquisadores que trabalham com o aspecto pedagógico, social, científico e político da época.
P – O que falta fazer ainda?
R – Nosso principal objetivo é disponibilizar publicamente os manuscritos transcritos e traduzidos o mais breve possível. No entanto, já estamos trabalhando no aperfeiçoamento da forma de apresentar esses documentos por meio da inclusão de notas de tradução em alguns dos manuscritos recentes. Como comentei, a inserção de dados na linha do tempo e no sistema de buscas também é um trabalho que está em andamento.
P – Você acha que há riscos de a descoberta das fontes primárias possibilitar algum entendimento adverso em relação às obras publicadas de Kardec?
R – Em qualquer pesquisa histórica, o acesso a novos acervos ou a novas fontes primárias pode trazer informações que não haviam sido consideradas anteriormente. Estas podem gerar revisões relevantes no conhecimento atual sobre o tema, no entanto, no meio acadêmico, é natural que ocorram interpretações distintas sobre o mesmo objeto. Neste cenário, são produzidas novas publicações e debates para melhor avaliar uma questão antes de se tornar consensual. Este processo garante um entendimento mais preciso de um fato, período ou mesmo de aspectos biográficos de um personagem histórico.
P – Como o movimento espírita pode aproveitar melhor todo esse trabalho que vem sendo desenvolvido pelo projeto?
R – O movimento espírita, assim como os pesquisadores e o público geral, pode contextualizar melhor o conhecimento que possui sobre Allan Kardec e mesmo sobre a construção da teoria espírita.
P – O material pode ser reproduzido em citações? Quais as regras?
R – Qualquer pessoa pode compartilhar itens disponíveis em nosso acervo digital, bastando mencionar os titulares dos direitos autorais e inserir a URL do item no acervo digital do Projeto Allan Kardec. Ao acessar os documentos, estão disponibilizadas as formas de citação, tanto no formato ABNT quanto no formato Vancouver. No entanto, é proibida a distribuição, publicação e comercialização de qualquer conteúdo disponibilizado nessa plataforma digital, em qualquer outro veículo, impresso ou digital, sem a prévia e expressa autorização dos responsáveis.
Para acessar os documentos (copie e cole): https://projetokardec.ufjf.br/
A importância das fontes primárias
• Atualmente, os espíritas representam o terceiro maior grupo religioso do Brasil e Allan Kardec se tornou um dos pensadores franceses de maior influência sobre a sociedade brasileira. Milhões de exemplares de seus livros já foram impressos no país. Ele é provavelmente o autor francês mais lido no Brasil, o que ressalta a necessidade da ampliação de estudos acadêmicos sobre a vida, obra e pensamento desse pensador francês.
• O Projeto Allan Kardec trabalha para ser referência para fontes históricas primárias ligadas a Allan Kardec. Realiza parcerias com instituições e colecionadores que possuam manuscritos originais do escritor, e também com pesquisadores colaboradores para as transcrições, traduções e análises dos materiais.
(Fonte: Apresentação do Projeto Allan Kardec, no site da UFJF).
Transcrito de:
Correio.News, 08/06/2023 (copie e cole): https://correio.news/entrevista/klaus-chaves-alberto-o-trabalho-que-amplia-o-acesso-a -historia-do-espiritismo