TRIO ESSENCIAL

Na reunião da noite de 28 de abril de 1955, foi Emmanuel quem senhoreou as faculdades psicofônicas do médium, transmitindo-nos instruções acerca da constituição de elementos para o êxito nas tarefas de intercâmbio com o mundo espiritual.

"Meus amigos.

O êxito da reunião mediúnica, como corpo de serviço no plano terrestre, exige três elementos essenciais: O orientador. O médium. O assistente.

Nesse conjunto de recursos tríplices, dispomos de comando, obediência e cooperação. O primeiro é o cérebro que dirige. O segundo é o coração que sente. O terceiro é o braço que ajuda.

Sem a segurança e a ponderação do cérebro, seremos arremessados, irremediavelmente, ao desequilíbrio. Sem o carinho e a receptividade do coração, sofreremos o império do desespero. Sem o devotamento e a decisão do braço, padeceremos a inércia.

Contudo, para que o trio funcione com eficiência, são necessários três requisitos na máquina de ação em que se expressam: Confiança. Boa-vontade. Harmonia. Harmonia que traduza disciplina, ordem e respeito. Confiança que signifique fé, otimismo e sinceridade. Boa-vontade que exprima estudo, compreensão e serviço espontâneo ao próximo.

Não podemos esquecer, ainda, que essa máquina deve assentar-se em três alicerces distintos: Aperfeiçoamento interior. Oração com vigilância. Dever bem cumprido.

Obtida a sintonia nesse triângulo de forças, poderá, então, a Espiritualidade Superior, através de fatores humanos, empreender entre os homens encarnados a realização dos seus três grandes objetivos: A elevação moral da ciência. O esclarecimento da filosofia. A liberdade da religião.

Com a ciência dignificada, não trairemos no mundo o rítmo do progresso. Com a filosofia enobrecida, clarearemos os horizontes da alma. Com a religião liberta dos grilhões que lhe encadeiam o espírito glorioso às trevas da discórdia e do fanatismo, poderemos distender o socorro e a beneficência, a fraternidade e a educação.

Reunamo-nos nas bases a que nos referimos, sob a inspiração do Cristo, Nosso Mestre e Senhor, e as nossas reuniões mediúnicas serão sempre um santuário de caridade e um celeiro de luz."

Emmanuel

(Xavier, Francisco Cândido. Espíritos diversos. Instruções Psicofônicas. Cap.59. FEB)

OPINIÕES

“Ai de vós, quando todos os homens de vós disserem bem,
 porque assim faziam seus pais aos falsos profetas” – Jesus (Lucas, 6: 26)

Indubitavelmente, muitas pessoas existem de parecer estimável, às quais podemos recorrer nos momentos oportunos, mas que ninguém despreze a opinião da própria consciência, porquanto a voz de Deus, comumente, nos esclarecerá nesse santuário divino.

Rematada loucura é o propósito de contar com a aprovação geral ao nosso esforço.

Quando Jesus pronunciou a sublime exortação desta passagem de Lucas, agiu com absoluto conhecimento das criaturas.

Sabia o Mestre que, num plano de contrastes chocantes como a Terra, não será possível agradar a todos simultaneamente.

O homem da verdade será compreendido apenas, em tempo adequado, pelos espíritos que se fizerem verdadeiros.

O prudente não receberá aplauso dos imprudentes.

O Mestre, em sua época, não reuniu as simpatias comuns.

Se foi amado por criaturas sinceras e simples, sofreu impiedoso ataque dos convencionalistas.

 Para Maria de Magdala era Ele o Salvador; para Caifás, todavia, era o revolucionário perigoso.

O tempo foi a única força de esclarecimento geral.

Se te encontras em serviço edificante, se tua consciência te aprova, que te importam as opiniões levianas ou insinceras?

Cumpre o teu dever e caminha.

Examina o material dos ignorantes e caluniadores como proveitosa advertência e recorda-te de que não é possível conciliar o dever com a leviandade, nem a verdade com a mentira.

Emmanuel

(Xavier, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Cap. 80. FEB)

Corpo

Abstendo-nos de qualquer digressão científica, porquanto os livros técnicos de educação usual são suficientemente esclarecedores no que reporta aos aspectos exteriores do corpo humano, lembremo-nos de que o Espírito, inquilino da casa física, lhe preside à formação e à sustentação, consciente ou inconscientemente, desde a hora primeira da organização fetal, não obstante quase sempre sob os cuidados protetores de Mensageiros da Providência Divina.

Trazendo consigo mesmo a soma dos reflexos bons e menos bons de que é portador, segundo a colheita de méritos e prejuízos que semeou para si mesmo no solo do tempo, o Espírito incorpora aos moldes reduzidos do próprio ser as células do equipamento humano, associando-as à própria vida, desde a vesícula germinal.

Amparado no colo materno, estrutura-se-lhe o corpo mediante as células referidas, que, em se multiplicando ao redor da matriz espiritual, como a limalha de ferro sobre o ímã, formam, a principio, os folhetos blastodérmicos de que se derivam o tubo intestinal, o tubo nervoso, o tecido cutâneo, os ossos, os músculos, os vasos.

Em breve, atendendo ao desenvolvimento espontâneo, achase o Espírito materializado na arena física, manifestando-se pelo veículo carnal que o exprime.

Esse veículo, constituído por bilhões de células ou individuações microscópicas, que se ajustam aos tecidos sutis da alma, partilhando-lhes a natureza eletromagnética, lembra uma oficina complexa, formada de bilhões de motores infinitesimais, movidos por oscilações eletromagnéticas, em comprimento de onda específica, emitindo irradiações próprias e assimilando as irradiações do plano em que se encontram, tudo sob o comando de um único diretor: a mente.

Desde a fase embrionária do instrumento em que se manifestará no mundo, o Espírito nele plasma os reflexos que lhe são próprios.

Criaturas existem tão conturbadas além-túmulo com os problemas decorrentes do suicídio e do homicídio, da delinquência e da viciação, que, trazidas ao renascimento, demonstram, de imediato, os mais dolorosos desequilíbrios, pela disfunção vibratória que os cataloga nos quadros da patologia celular.

As enfermidades congênitas nada mais são que reflexos da posição infeliz a que nos conduzimos no pretérito próximo, reclamando-nos a internação na esfera física, às vezes por prazo curto, para tratamento da desarmonia interior em que fomos comprometidos.

Surgem, porém, outras cambiantes dos reflexos do passado na existência do corpo, da culpa disfarçada e dos remorsos ocultos. São plantações de tempo certo que a lei de ação e reação governa, vigilante, com segurança e precisão.

É por isso que, muitas vezes, consoante os programas traçados antes do berço, na pauta da dívida e do resgate, a criatura é visitada por estranhas provações, em plena prosperidade material, ou por desastres fisiológicos de comovente expressão, quando mais irradiante se lhe mostra a saúde.

Contudo, é imperioso lembrar que reflexos geram reflexos e que não há pagamento sem justos atenuantes, quando o devedor se revela amigo da solução dos próprios débitos.

A prática do bem, simples e infatigável pode modificar a rota do destino, de vez que o pensamento claro e correto, com ação edificante, interfere nas funções celulares, tanto quanto nos eventos humanos, atraindo em nosso favor, por nosso reflexo melhorado e mais nobre, amparo, luz e apoio, segundo a lei do auxílio.

Emmanuel

(Xavier, Francisco Cândido. Pensamento e vida. Cap.14. FEB)

Cruzada de amor

Os altos índices da atual delinquência infanto juvenil, cada dia mais afligentes, atestam o malogro da cultura, diante do problema desafio, que se converte em látego, vigorosamente aplicado na criatura humana.

O menor carente, que assume um comportamento anti-social, é a pungente vítima dos desequilíbrios que sacodem as estruturas da comunidade terrestre.

Os estudos sinceros que pesquisam as causas da criança em abandono, não se deveriam deter apenas nos fatores sócioeconômicos, sócio-políticos, encarregados dos despovoamentos dos campos e a consequente densificação massificadora dos centros urbanos; os sub-empregos e biscates; as favelas, promíscuas e insalubres; a ignorância; o sexo sem responsabilidade, senão, também, o desamor que grassa em toda parte, tomando as criaturas indiferentes aos problemas e necessidades mais primárias e mais urgentes do seu próximo.

Este drama não é apenas de um povo, senão da maior parte dos países que constituem a Humanidade.

Não é uma resultante exclusiva da miséria econômica, desde que o menor em desvalimento moral é encontrado nas chamadas sociedades abastadas, apresentando as chagas decorrentes da situação em que se encontram.

Certamente, a questão requer mais profundo exame, a fim de que se encontrem as soluções adequadas. Todavia, enquanto não se podem aplicar os iecursos especializados, deve-se tentar a experiência do amor, considerando-se a grave ocorrência como de todos, conforme o é, antes que somente dos administradores e governos.

Toda e qualquer aplicação em favor da criança carente faz-se um investimento de multiplicadas bênçãos.

Inutilmente se tomarão medidas saneadoras contra a violência e a agressividade, sem que se incorram em infelizes atitudes idênticas, nada se conseguindo em relação ao futuro, que se delineia sombrio.

A terapêutica deverá ser preventiva, impedindo- se o contágio pelo crime, antes que a punição irada contra quem se apresente visceralmente enfermo.

A obra não pode ser realizada sob a comoção dos torpes acontecimentos que enxameiam nos periódicos sensacionalistas e se multiplicam nas ruas e domicílios do mundo. Antes, examinada com os sentimentos da piedade fraternal e da solidariedade que todos nos devemos uns aos outros e que é um grave compromisso para com as gerações novas.

A superabundância de uns, que se responsabiliza pela miséria de muitos, não deve esperar que as suas vítimas se rebelem, tomando pela fúria do ódio o que lhes é devido pelo natural impositivo do amor, sem que derruam, nas suas bases, os patrimônios culturais, éticos e sociais louváveis da atualidade, adquiridos a penates, no suceder demorado dos milênios vencidos.

O mais valioso empreendimento humano é o amor, e a mais elevada conquista da vida é o homem no seu processo de engrandecimento, na direção da Vida.

Em cada delinquente de agora se encontra, desesperado, o menor que foi relegado ontem à própria sorte.

O porvir da Humanidade futura decorrerá do tratamento que seja deferido à criança de hoje.

Não somente é justo profligar o crime, senão trabalhar para erradicá-lo nas suas nascentes; nem apenas invectivar contra os erros da sociedade, deixando de contribuir efetivamente para impedir-lhes a proliferação, até extirpá-los do organismo social.

A quota a oferecer ao menor carente é parte da dívida que todos temos para com a floração do porvir.

Todos cidadãos, religiosos ou não, encontram-se convocados para a cruzada de amor, em favor da criança carente e ninguém se pode escusar, pretextando não dispor de recursos para contribuir.

O simples querer ajudar já é de relevante valia, iniciando-se pelo ato simpático de sorrir para uma criança e dignificá-la com atenção, oferecendo-lhe uma palavra amiga, ao mesmo tempo esforçando-se por fomentar nas consciências o respeito pelo homem do futuro, trabalhando, a sós ou em grupo, a fim de que logo chegue o dia em que o culto do amor ao próximo não seja exercido pelo receio de ser vitimado por aqueles que a negligência e o egoísmo tenham vitimado.

Amor hoje e socorro também.

Prevenção do mal agora com ação positiva simultânea.

O menor, na miséria, que espia o adulto, na opulência, cedo ou tarde buscará, infelizmente por métodos errados, o que nos cumpre doar-lhe pelo sentimento correto do bem.

Todos têm direito, na comunidade humana, ao mínimo que seja, para viver com decência e liberdade. Negar tal concessão é conspirar contra e felicidade do próximo e a própria paz, agora ou depois.

Façamos a nossa parte, por menor que pareça, iniciando esta cruzada de amor, que vem sendo postergada, e que não realizada, levar-nos-á aos roteiros do sofrimento e da soledade por incúria e insensatez.

Hoje brilha a luz da formosa oportunidade que se transformará em abençoado sol do amanhã, a fim de que as trevas do mal se afastem, em definitivo, da Terra, havendo perene claridade de paz nas mentes e nos corações.

BENEDITA FERNANDES

(Página psicografada por Divaldo Pereira Franco, em Araçatuba, SP, na residência de Célia e Cesar Perri, no dia 20/11/1979. Publicada em "Dama da caridade", de autoria de Antonio Cesar Perri de Carvalho, 1a.ed., 1982).

NO RECINTO DOMÉSTICO

Bondade no campo doméstico é a caridade começando de casa.

Nunca fale aos gritos, abusando da intimidade com os entes queridos.

Utilize os pertences caseiros sem barulho, poupando o lar a desequilíbrio e perturbação.

Aprenda a servir-se, tanto quanto possível, de modo a não agravar as preocupações da família.

Colabore na solução do problema que surja, sem alterar-se na queixa.

A sós ou em grupo, tome a sua refeição sem alarme.

Converse edificando a harmonia.

É sempre possível achar a porta do entendimento mútuo, quando nos dispomos a ceder, de nós mesmos, em pequeninas demonstrações de renúncia a pontos de vista.

Quantas vezes um problema aparentemente insolúvel pede tão somente uma palavra calmante para ser resolvido?

Abstenha-se de comentar assuntos escandalosos ou inconvenientes.

Em matéria de doenças, fale o estritamente necessário.

Procure algum detalhe caseiro para louvar o trabalho e o carinho daqueles que lhe compartilham a existência.

Não se aproveite da conversação para entretecer apontamentos de crítica ou censura, seja a quem seja.

Se você tem pressa de sair, atenda ao seu regime de urgência com serenidade e respeito, sem estragar a tranquilidade dos outros.

André Luiz

(Xavier, Francisco Cândido. Pelo Espírito André Luiz. Sinal Verde. Lição nº 04. CEC)

 

No lar

Começar na intimidade do templo doméstico a exemplificação dos princípios que esposa, com sinceridade e firmeza, uniformizando o próprio procedimento, dentro e fora dele.

Fé espírita no clima da família, fonte do espiritismo no campo social. 

Calar todo impulso de cólera ou violência, amoldando-se ao Evangelho de modo a estabelecer a harmonia em si mesmo perante os outros.

A humildade constrói para a Vida Eterna. 

Proporcionar às crianças os fundamentos de uma educação sólida e bem orientada, sem infundir-lhes medo ou fantasias, começando por dar-lhes nomes simples e naturais, evitando a pompa dos nomes famosos, suscetíveis de lhes criar embaraços futuros.

O lar é a escola primeira. 

Sempre que possível, converter o santuário familiar em dispensário de socorro aos menos felizes, pela aplicação daquilo que seja menos necessário à manutenção doméstica.

A Seara do Cristo não tem fronteira. 

Se está sozinho com a sua fé, no recesso do próprio lar, deve o espírita atender fielmente ao testemunho de amor que lhe cabe, lembrando-se de que responderá, em qualquer tempo, pelos princípios que abraça.

A ribalta humana situa-nos sempre no papel que devamos desempenhar. 

Ao menos, uma vez por semana, formar o culto do Evangelho com todos aqueles que lhe co-participam da fé, estudando a Verdade e irradiando o Bem, através de preces e comentários em torno da experiência diária à luz dos postulados espíritas.

Quem cultiva o Evangelho em casa, faz da própria casa um templo do Cristo. 

Evitar o luxo supérfluo nos aposentos, objetos e costumes, imprimindo em tudo características de naturalidade, desde os hábitos mais singelos até os pormenores arquitetônicos da própria moradia.

Não há verdadeiro clima espírita cristão sem a presença da simplicidade conosco. 

"Aprendam primeiro a exercer piedade para com a sua própria família e a recompensar seus pais, porque isto é bom e agradável diante de Deus." Paulo. (I Timóteo, 5:4.) 

​​André Luiz

(Vieira, Waldo. Conduta Espírita, cap. 5, FEB) 

 

O NOVO MANDAMENTO

“Um novo mandamento vos dou: que vos ameia uns aos outros, como eu vos amei.”
Jesus (JOÃO, 13:

A leitura despercebida do texto induziria o leitor a sentir nessas palavras do Mestre absoluta identidade com o seu ensinamento relativo à regra áurea. Entretanto, é preciso salientar a diferença.

O “ama a teu próximo como a ti mesmo” é diverso do “que vos ameis uns aos outros como eu vos amei”.

O primeiro institui um dever, em cuja execução não é razoável que o homem cogite da compreensão alheia.

O aprendiz amará o próximo como a si mesmo. Jesus, porém, engrandeceu a fórmula, criando o novo mandamento na comunidade cristã.

O Mestre refere-se a isso na derradeira reunião com os amigos queridos, na intimidade dos corações.

A recomendação “que vos ameis uns aos outros como eu vos amei” assegura o regime da verdadeira solidariedade entre os discípulos, garante a confiança fraternal e a certeza do entendimento recíproco.

Em todas as relações comuns, o cristão amará o próximo como a si mesmo, reconhecendo, contudo, que no lar de sua fé conta com irmãos que se amparam efetivamente uns aos outros.

Esse é o novo mandamento que estabeleceu a intimidade legítima entre os que se entregaram ao Cristo, significando que, em seus ambientes de trabalho, há quem se sacrifique e quem compreenda o sacrifício, quem ame e se sinta amado, quem faz o bem e quem saiba agradecer.

Em qualquer círculo do Evangelho, onde essa característica não assinala as manifestações dos companheiros entre si, os argumentos da Boa Nova podem haver atingido os cérebros indagadores, mas ainda não penetraram o santuário dos corações.

Emmanuel

(Xavier, Francisco Cândido. Caminho, verdade, vida. Cap. 179. FEB)

O ARGUMENTO JUSTO

 

À noite, em casa de Simão Pedro, transparecia um véu de tristeza na maioria dos semblantes.

Tadeu e André, atacados horas antes, nas margens do lago, por alguns malfeitores, viram-se constrangidos à reação apressada. Não surgira consequência grave, mas sentiam-se ambos atormentados e irritadiços.

Quando Jesus começou a falar acerca da glória reservada aos bons, os dois discípulos deixaram transparecer, através do pranto discreto, a amargura que lhes dominava a alma e, não podendo conter-se, Tadeu clamou, aflito:

– Senhor, aspiro sinceramente a servir à Boa Nova; contudo, sou portador de um coração indisciplinado e ingrato. Ouço, contrito, as explanações do Evangelho; lá fora, porém, no trato com o mundo, não passo de um espírito renitente no mal. Lamento… lamento… mas como trabalhar em favor da Humanidade nestas condições?

Embargando-se-lhe a voz, adiantou-se André, alegando, choroso:

– Mestre, que será de mim? Ao seu lado, sou a ovelha obediente; entretanto, ao distanciar-me… basta uma palavra insignificante de incompreensão para desarmar-me. Reconheço-me incapaz de tolerar o insulto ou a pedrada. Será justo prosseguir, ensinando aos outros a prática do bem, imperfeito e mau qual me vejo?…

Calando-se André, interferiu Pedro, considerando:

– Por minha vez, observo que não passo de mísero espírito endividado e inferior. Sou o pior de todos. Cada noite, ao me retirar para as orações habituais, espanto-me diante da coragem louca dentro da qual venho abraçando os atuais compromissos. Minha fragilidade é grande, meus débitos enormes. Como servir aos princípios sublimes do Novo Reino, se me encontro assim insuficiente e incompleto?

À palavra de Pedro, juntou-se a de Tiago, filho de Alfeu, que asseverou, abatido:

– Na intimidade de minha própria consciência, reparo quão longe me encontro da Boa Nova, verdadeiramente aplicada. Muita vez, depois de reconfortar-me ante as dissertações do Mestre, recolho-me ao quarto solitário, para sondar o abismo de minhas faltas. Há momentos em que pavorosas desilusões me tomam de improviso. Serei na realidade um discípulo sincero? Não estarei enganando o próximo? Tortura-me a incerteza… Quem sabe se não passo de reles mistificador?

Outras vozes se fizeram ouvir no cenáculo, desalentadas e cheias de amargura.

Jesus, porém, após assinalar as opiniões ali enunciadas, entre o desânimo e o desapontamento, sorriu, tocado de bom-humor, e esclareceu:

– Em verdade, o paraíso que sonhamos ainda vem muito longe e não vejo aqui nenhum companheiro alado. A meu parecer, os anjos, na indumentária celeste, ainda não encontram domicílio no chão áspero e escuro em que pisamos.

Somos aprendizes do bem, a caminho do Pai, e não devemos menoscabar a bendita oportunidade de crescer para Ele, no mesmo impulso da videira que se eleva para o céu, depois de nascer no obscuro seio da terra, alastrando-se compassiva, para transformar-se em vinho reconfortante, destinado à alegria de todos.

Mas, se vocês se declaram fracos, devedores, endurecidos e maus e não são os primeiros a trabalhar para se fazerem fortes, redimidos, dedicados e bons em favor da obra geral de salvação, não me parece que os anjos devam descer da glória dos Cimos para substituir-nos no campo de lições da Terra.

O remédio, antes de tudo, se dirige ao doente, o ensino ao ignorante… De outro modo, penso, a Boa Nova de Salvação se perderia por inadequada e inútil…

As lágrimas dos discípulos transformaram-se em intenso rubor, a irradiar-se da fisionomia de todos, e uma oração sentida do Amigo Divino imprimiu ponto final ao assunto.

Neio Lúcio

(Xavier, Francisco Cândido. Pelo Espírito Neio Lúcio. Jesus no Lar. Lição nº 38. FEB)

 

POR UM POUCO

“Escolhendo antes ser maltratado com o povo de Deus do que por um pouco de tempo ter o gozo do pecado”. Paulo – Hebreus, 11:25.

 

Nesta passagem refere-se Paulo à atitude de Moisés, abstendo-se de gozar por um pouco de tempo das suntuosidades da casa do Faraó, a fim de consagrar-se à libertação dos companheiros cativos, criando imagem sublime para definir a posição do espírito encarnado na Terra.

“Por um pouco”, o administrador dirige os interesses do povo.

“Por um pouco”, o servidor obedece na subalternidade.

“Por um pouco”, o usurário retém o dinheiro.

“Por um pouco”, o infeliz padece privações.

Ah!… se o homem reparasse a brevidade dos dias de que dispõe na Terra!

Se visse a exiguidade dos recursos com que pode contar no vaso de carne em que se movimenta!…

Certamente, semelhante percepção, diante da eternidade, dar-lhe-ia novo conceito da bendita oportunidade, preciosa e rápida, que lhe foi concedida no mundo.

Tudo favorece ou aflige a criatura terrestre, simplesmente por um pouco de tempo.

Muita gente, contudo, vale-se dessa pequenina fração de horas para complicar-se por muitos anos.

É indispensável fixar o cérebro e o coração no exemplo de quantos souberam glorificar a romagem apressada no caminho comum.

Moisés não se deteve a gozar, “por um pouco”, no clima faraônico, a fim de deixar-nos a legislação justiceira.

Jesus não se abalançou a disputar, nem mesmo “por um pouco”, em face da crueldade de quantos o perseguiam, de modo a ensinar-nos o segredo divino da Cruz com Ressurreição Eterna.

Paulo não se animou a descansar “por um pouco”, depois de encontrar o Mestre às portas de Damasco, de maneira a legar-nos seu exemplo de trabalho e fé viva.

Meu amigo, onde estiveres, lembra-te de que aí permaneces “por um pouco” de tempo.

Modera-te na alegria e conforma-te na tristeza, trabalhando sem cessar na extensão do bem, porque é na demonstração do “pouco” que caminharás para o “muito” de felicidade ou de sofrimento.

Emmanuel

(Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Fonte Viva. Cap. 42. FEB)

 

RECAPITULAÇÕES

“Porque amavam mais a glória dos homens do que a glória de Deus.” (JOÃO, 12:43)

Os séculos parecem reviver com seus resplendores e decadências.

Fornece o mundo a impressão dum campo onde as cenas se repetem constantemente.

Tudo instável.

A força e o direito caminham com alternativas de domínio.

Multidões esclarecidas regressam a novas alucinações.

O espírito humano, a seu turno, considerado insuladamente, demonstra recapitular as más experiências, após alcançar o bom conhecimento.

Como esclarecer a anomalia?

A situação é estranhável porque, no fundo, todo homem tem sede de paz e fome de estabilidade.

Importa reconhecer, porém, que, no curso dos milênios, as criaturas humanas, em múltiplas existências, têm amado mais a glória terrena que a glória de Deus.

Inúmeros homens se presumem redimidos com a meditação criteriosa do crepúsculo, mas… e o dia que já se foi?

Na justiça misericordiosa de suas decisões, Jesus concede ao trabalhador hesitante uma oportunidade nova, o dia volta.

Refunde-se a existência.

Todavia, que aproveita ao operário valer-se tão somente dos bens eternos, no crepúsculo cheio de sombras?

Alguém lhe perguntará: que fizeste da manhã clara, do Sol ardente, dos instrumentos que te dei?

Apenas a essa altura reconhece a necessidade de gloriar-se no Todo Poderoso.

E homens e povos continuarão desfazendo a obra falsa para recomeçar o esforço outra vez.

Emmanuel

(Xavier, Francisco Cândido. Caminho, verdade e vida. Cap.33. FEB)