Os novos Obreiros do Senhor

Os novos Obreiros do Senhor

Formamos uma grande família, na sublime família universal, uma equipe de espíritos afins.

Vinculados uns aos outros desde o instante divino em que fomos gerados pelo Excelso Pai, vimos jornadeando a penosos contributos de sofrimentos, em cujas experiências, a pouco e pouco, colocamos os pilotis de segurança para mais expressivas construções…

Errando, repetimos a tarefa, tantas vezes quantas se nos façam imprescindíveis para a fixação das lições superiores no recôndito do espírito necessitado.

Calcetas, temos enveredado por ínvios caminhos de onde retomamos amarfanhados, trôpegos, face aos cardos e calhaus que tivemos de experimentar sob os pés andarilhos.

Ambiciosos, desertamos das diretrizes seguras da renúncia e da humildade para mergulharmos em fundos fossos, onde nos detivemos tempo sem conto, até que soassem os impositivos restauradores, concedendo-nos oportunidade de reaprender e reencetar serviços interrompidos.

De instintos aguçados, preferimos, espontaneamente, as faixas animalizantes em que nos comprazíamos, no primitivismo, aos painéis coloridos e leves das Esferas Mais Altas.

Por esses e outros vigorosos motivos, temos avançado lentamente, enquanto outros companheiros, intimoratos, se ergueram do caos e conseguiram ultrapassar os limites, em que, por enquanto, ainda nos detemos.

Soa-nos, porém, a hora libertadora e o instante é azado.

Luz ou treva! Decisão definitiva de libertação ou fixação nos exercícios repetitivos da própria inferioridade.

Ascensão ou queda nos resvaladouros das falsas necessidades que se convertem em legítimas necessidades, a instâncias nossas.

Cristo nos convoca, outra vez, ao despertamento e ao trabalho de soerguimento pessoal, que em última análise é o de soerguimento da Terra mesma.

Somos as células do organismo universal por enquanto enfermo, em processo liberativo, sob a terapêutica preciosa do Evangelho Restaurado.

Não é a primeira vez que nos chega a voz do "Cordeiro de Deus", concitando-nos à redenção, ao avanço, à sublimação…

… Alguns O conhecemos nos idos tempos das horas primeiras da nossa Era, preferindo, desde então, o malogro das aspirações que eram falsas. Tivemos a oportunidade ditosa e, todavia, não soubemos ou não a quisemos aproveitar…

Depois, expiamos em densas dores, agônicas, em Regiões punitivas de sofrimentos ressarcidores. Rogamos reencarnações dolorosas, em que a lepra nos dilacerasse a carne fantasista, ou a alucinação nos dominasse as paisagens mentais, ou a demência nos fizesse esquecer, temporariamente, as impressões mais profundas, ou o câncer nos minasse as energias, impedindo-nos de maiores derrocadas, ou a viuvez, a orfandade, a paralisia decorrente dos surtos de epidemias constantes e guerras soezes, como recursos salvadores, a fim de meditarmos, refletirmos e desejarmos a luz do esclarecimento libertador…

Depois recomeçamos nas fileiras da Fé, fascinados pela ensancha preciosa de reconquistarmos a paz perdida ou adquirirmos a tranqüilidade desejada.

Ouvimos excelentes expositores do Divino Verbo, e nos comovemos. Todavia, dominados pela avidez da posse, que não morrera de todo em nosso espírito, avançamos, tresloucados, pelos sítios em que nos encontrávamos, armando a máquina da destruição em nome da Crença.

Recebemos lições invulgares de paciência e humildade dos verdadeiros heróis da renúncia. No entanto, ante o campo largo que deparávamos à frente, reacenderam-se-nos as paixões e arregimentamos forças que espezinharam povos e cidades, sobre os quais dizíamos desejar implantar a Cruz… crucificando os reacionários.

Conotamos ensinos elevados, hauridos nas fontes da inspiração superior. Apesar disso, desejando guindar-nos aos poderes transitórios do mundo de ficções, esparzimos a intriga habilmente dissimulada, usando o punhal da infâmia e o revólver da difamação com que conseguimos afastar inimigos que constituíam impedimento à nossa mentirosa ascensão.

Vimos o resplandecer das luzes espirituais em nossas reuniões de estudo, em Claustros e Seminários, Monastérios silenciosos e grutas ascetas. Mesmo assim, convertemos os recursos da oração e da vigilância em astúcia, com que, no confessionário, extorquimos as informações que usávamos para ferir e destroçar, em nome da Verdade, que manipulávamos a bel-prazer. Pareciam inúteis os celestes apelos na acústica do nosso espírito atribulado.

Reencarnamos e desencarnamos sob angústias e ansiedades, formulando planos e os destruindo, rogando retornos apressados com que nos pudéssemos reabilitar em definitivo, sem que lobrigássemos o êxito que desejávamos realmente perseguir…

… Ocorre que a névoa carnal tolda a visão espiritual e de certo modo bloqueia, nos espíritos tardos, as percepções melhores e mais sutis, anestesiando neles os centros da inspiração e da comunhão superiores.

Transcorreram séculos em vais-e-vens infelizes…

Nossos Mentores Espirituais, apiedados da nossa incúria e sandice, intercederam sempre por nós, fazendo que nos fossem facultadas novas investiduras no domicílio corporal.

Estivemos ao lado de Artistas, Pensadores, Cultores das letras e das Ciências, a fim de sentir-lhes o bafejo da mais alta ambição espiritual. Normalmente as suas auras nos afetavam, propiciando-nos lampejos iluminativos e abençoados, porém, rapidamente, tão intoxicados estávamos.

Por fim, quando o abençoado "Sol de Assis" resplandeceu na Terra, reorganizando o Exército de Amor do Rei Galileu, fruímos a sublime ocasião de retomar às lides da Fé, palmilhando as estradas impérvias que a humildade nos oferecia, enquanto a sua voz entoava a canção da fraternidade universal, com as notas melódicas da compaixão e da caridade.

Sempre em grupos afins, volvemos ao mergulho no carro somático e tentamos, em equipe, estabelecer as bases da felicidade ao calor da Mensagem Evangélica que, então, começava a dominar os diversos arraiais da Terra. Não foram poucos os esforços dos "adversários da luz" tentando, apagar as pegadas do Discípulo Amado pelos caminhos da Umbria, que se estendiam por além-fronteiras, na Terra sofredora. Inovações sutis e perigosas, excessos onde antes havia escassez, atavios em lugar de desapegos, aparências substituindo a aspereza da simplicidade, lentamente foram introduzidos, no ministério cristão e, por pouco, não fosse a Divina Vigilância do "Trovador de Deus" quase nada ficaria para a posteridade, além das anotações vivas da sua caminhada incomparável… Passamos a sentir o muito que deveríamos fazer por nós próprios, pelos nossos irmãos, principalmente os da retaguarda…

Quando se preparavam os dias da Codificação Espírita, quando se convocavam trabalhadores dispostos à luta, quando se anunciavam as horas preditas, quando se arregimentavam seareiros para a Terra, escutamos o convite celeste e nos apressamos a oferecer nossas parcas forças, quanto nós mesmos, a fim de servir, na ínfima condição de sulcadores do solo onde deveriam cair as sementes de luz do Evangelho do Reino. Assim, já no albor do século passado, em pleno fastígio napoleônico, as Hostes Espirituais mourejavam com acendrado carinho, renovando as paisagens da psicosfera da França, ainda tumultuada pelos acontecimentos revolucionários dos anos idos…

A tarefa se fazia, então, de grande e grave porte. A maternidade ultrajada negava-se a novos cometimentos. A moralidade combalida parecia desconsertada para tentames maiores. A fé desgovernada saíra da asfixia, em que padecia alucinação, para a indiferença que entorpece. Os códigos dos "direitos humanos", não obstante estabelecidos pelo novo "status", sofriam as injunções guerreiras do novo Imperador…

Lentamente porém se foram clareando os plúmbeos céus da Humanidade, à medida em que mergulhavam na atmosfera fisiológica antigos heróis do pensamento, mártires da fé, guerreiros da caridade e missionários da Filosofia como da Ciência, da Moral como da Religião.

Entre eles estava Allan Kardec, o incorruptível trabalhador da Era Espírita, que logo deveria começar. O labor assumia proporções, dantes, quase, jamais igualadas… Aqueles eram os dias em que as convulsões do pensamento abririam as comportas para as experiências práticas, que ensejariam a Era da Tecnologia e da Eletrônica futura, com todos os seus complexos surtos de progresso e evolução, perigosos, igualmente, pela probabilidade de o homem, assoberbado pelas conquistas do Conhecimento, pensar em ser deus, sem conseguir, todavia, ultrapassar os limites da própria insignificância…

Acompanhamos, assim, na América e na Europa a erupção da fenomenologia medianímica, alguns emprestando suas possibilidades para as experimentações primeiras que anunciariam o momento exato para a ação do lídimo Expoente da razão, na fé libertada de preconceitos, de dogmas e de limitações. Outros, manipulando retortas e fazendo experiências de laboratório, deixamo-nos atrair ao "fato espírita", sem que possuíssemos a coragem de declará-lo com inteireza, como fizeram poucos cultores da Verdade, receosos dos compromissos novos e pesados que, porventura e logicamente, deveríamos assumir. Experimentadores e cobaias, legítimos ou não, multiplicaram-se, rapidamente, e alguns de nós entre eles. Médiuns e pesquisadores estivemos desejando cooperar sem o êxito desejado. Opúsculos e livros, folhetins e monografias apareceram volumosos, e debates sensacionais encheram páginas e páginas de periódicos, bem como Relatórios extensos formaram múltiplos volumes, sem que colimassem a superior finalidade de restabelecerem na Terra o culto à verdade, ao dever, ao amor, à caridade conforme ensinara e vivera o Amigo Divino de todos nós.

Foi Allan Kardec, indubitavelmente, o insigne herói daquela hora e o exemplo insuperável para os tempos porvindouros, quem tomou a bússola da Razão e conduziu com segurança a barca da Fé. Abandonou tudo e, arriscando-se, – pois tinha a certeza da legitimidade dos postulados que os Espíritos lhe ofereciam, após caldeá-los e averiguá-los com sabedoria de inspirado dos Céus – transformou-se em estrela rutilante, vitalizado pelo Mundo Transcendente, para clarificar intensamente os tempos de todos os tempos. Quantos, no entanto, malograram!… Não pequena foi a quota dos desertores, dos detratores, dos caídos naqueles dias, e ainda hoje!…

Adestrados, agora, para os inadiáveis serviços de reconstrução do mundo em que nos encontramos, mediante o uso dos instrumentos da mansidão, da Justiça e do conhecimento, mister se faz que nos detenhamos a reflexionar em regime de urgência e em clima de tranqüilidade. A fé que bruxuleia em nossos espíritos é a nossa lâmpada-bússola, apontando rumos.

Os recursos acumulados e as possibilidades a se multiplicarem constituem os tesouros para aplicação racional, no investimento da atual reencarnação. Não há sido pequeno o trabalho envidado pelos Administradores Espirituais das nossas vidas, a fim de nos reunir, de nos acercarmos uns dos outros, após incessantes períodos de disputas infelizes, de justas inexplicáveis, de idiossincrasias domésticas…

Já não se dispõe de tempo para futilidade nem tampouco para ilusão. Necessário lidar com Espíritos resolutos para a tarefa que não espera e o dever que não aguarda. Estes são os momentos em que deveremos colimar realizações perenes. Para tanto, resolvamo-nos em definitivo produzir em profundidade, acercando-nos de Jesus e por Ele facultando-nos conduzir até o termo da jornada. Não será, certamente, uma incursão ao reino da fantasia ou um passeio gentil pelos arredores da catedral da fé. Antes, é uma realização em que nos liberaremos das injunções cármicas infelizes, adquirindo asas para maiores vôos na direção dos inefáveis Cimos da Vida.

Há muito por fazer, que deve ser feito: sem a presunção jactanciosa, que empesta as melhores expressões do serviço, nem os injustificáveis receios, que turbam a claridade dos horizontes de trabalho. Conscientes das próprias responsabilidades não esperemos em demasia pela transformação de fora, mas envidemos esforços para o aprimoramento interior. Sem veleidades, iniciemos o trabalho de construção do novo mundo, retirando dos escombros do "eu" enfermiço os materiais aproveitáveis para as novas edificações a que nos devemos dar com euforia e santificação. Devidamente arregimentados, iniciemos o labor, partindo do lar, que deverá permanecer sobre as bases sólidas de amor, de entendimento e de fraternidade, de modo a resistir às investidas da insensatez e da leviandade, que nos não podemos permitir. Estamos no lugar certo, ao lado das pessoas corretas, vivendo com aqueles que nos são os melhores elementos para a execução do programa.

A pretexto de novas experiências ou fascinados pela utopia de novas emoções, não perturbemos o culto dos deveres a que nos jugulamos com fidelidade. Nenhuma justificação para o equívoco, nenhum desvio de responsabilidade. Tornemo-nos o vaso onde deve arder a flama do bem, oferecendo, também, o óleo dos nossos esforços reunidos a benefício da intensidade da luz. Adversários, cujas matrizes estão insculpidas em nosso imo, surgirão a cada passo, de dentro para fora e, incontáveis, virão em cerco, de fora para dentro, colocando o cáustico da aflição no cerne dos nossos sentimentos. Tenhamos paciência e vigiemos! Somente resgatamos o que devemos. Apenas seremos atingidos nas fraquezas que necesssitamos fortalecer. Aliciados pelo Senhor, à semelhança dEle, encontraremos resistência para superar dificuldades e vencer limitações que nos retinham até aqui na retaguarda. Acenados pelo Senhor e por Ele conduzidos, avançaremos. Evidente que as nossas pretensões não ambicionam reformar nada, senão nos reformarmos a nós mesmos. Primeiro incendiar de estusiasmo e esperança a Terra e as criaturas dos nossos dias, aprofundando estudos no organismo rígido da Codificação, de modo a trazê-la ao entendimento das massas, repetindo as experiências santificantes dos homens do Caminho, que abriam as portas das percepções às Entidades Espirituais nos seus cenáculos de comunhão com o Reino de Deus. Estribados no amor fraterno e alicerçados no estudo consciente dos postulados espíritas, promovamos o idealismo ardente, produtivo, abrasador, com que se forjam lídimos servidores das causas superiores, convocando as multidões, ora desassisadas, que caíram nos despenhadeiros da alucinação por não encontrarem mãos firmes na caridade da iluminação de consciências e no arado da fraternidade, concitando-as ao soerguimento e à renovação.

Com todo respeito a todos, não temamos, porém, ninguém. Vinculados e adesos ao trabalho, nos Grupos de Ação, Casas e Entidades veneráveis, auxiliemos, verdadeiramente ligados à Causa, ao Cristo e a Kardec. Nosso Guia Seguro continua sendo Jesus. A qualquer ataque, o silêncio, que é a lição de coragem pouco conhecida. O defensor da nossa honra e do nosso trabalho é o Senhor. A nós nos cabe a glória de servir, sem pretensão. Como a Seara é dEle, a Ele compete decidir e dirigir…

Em nossa equipe de trabalho, reunamos os companheiros que preferem a pesquisa consciente e metódica, sistemática e racional, facultando-lhes aprofundar observações e divulgá-las em termos condicentes com os conhecimentos dos dias atuais. Sem pressa, por significar esse trabalho excelente campo a comprovações firmes e indubitáveis, perseveremos, mesmo quando, aparentemente, os resultados parecerem tardar ou não corresponderem às nossas aspirações… Cresce a árvore paulatinamente e o corpo se desenvolve célula a célula, em equipe harmoniosa, sincronizada. Aqueloutros, que sentirem o hino, a música da palavra emboscada no coração, reúnam-se a estudar e debater temas, formulando conotações atuais e oportunas, para, logo após, saírem como semeadores da esperança, lançando as sementes nos solos dos corações humanos sempre muito necessitados, entre os quais nós própria nos arrolamos. Estes, afervorados ao ideal de servir, examinem as dores do próximo, suas necessidades imediatas e, ao invés do simplismo da dádiva que libera da responsabilidade, a ação profunda, a realização social, que não apenas amenize o problema, agora, mas que, possivelmente, resolva a dificuldade, mediante os recursos que lhes oferecermos, para se libertarem a si mesmos. Uns, estudiosos, divulguem pelo livro abençoado ou pelo folheto delicado as excelentes lições do Espiritismo, que tem resposta para a problemática de hoje como a de amanhã, esclarecendo, realmente, o homem aparvalhado sob a constrição de mil cogitações tormentosas e as cargas pesadas que engendram outros mil distúrbios, de modo a acender-lhe a lâmpada da esperança no céu do espírito atribulado.

Reunamo-nos todos, com freqüência, a fim de dirimirmos dificuldades e incompreensões, em encontros de ação cristã, debatendo os nossos serviços e permutando experiências adquiridas no campo da própria realização, com que nos resguardaremos da prepotência do eu e da vaidade de obreiros que se não permitam enganar. A palavra de cada irmão é moeda de valor, que nos merece consideração, a seu turno necessitada de debate e discussão salutar. Há demasiados sofrimentos aguardando nossa ajuda fraternal. O desespero que cavalga, infrene, espera por nós. O intercâmbio espiritual atuante não dá margem a dubiedade de comportamento moral. A ética escarnecedora destes dias vige esperando a revivescência da moral cristã em toda a sua pujança. Nenhum melindre em nós, suscetibilidade negativa nenhuma.

O Espiritismo é o renascimento do Cristianismo em sua pureza primitiva. Todos os fatos quando examinados do "ponto de vista espiritual" mudam de configuração. À meridiana luz da reencarnação alteram-se as técnicas da vida e a esperança domina as mentes e os corações. Se não conseguirmos avançar em grupo, sigamos, assim mesmo, conforme nossas forças. O desânimo de uns não pode contaminar os demais. Os melhor dotados não devem sofrer a inveja dos menos aquinhoados. Todos nós constituímos peças da engrenagem feliz para a construção do "reino de Deus" que já se instala na Terra. As muitas aflições chamarão em breve o homem para as realidades nobres da vida. Não nos permitamos dúvidas, face à vitória da dissolução dos costumes ou diante da licenciosidade enlouquecedora. Quem fizesse o confronto entre Cristo e César, naquela tarde inesquecível, veria no último o triunfador, no entanto, era Jesus, o Rei que retomava à glória solar, enquanto o outro, logo mais desceria ao túmulo, confundindo-se na perturbação…

Os valores que passam, apenas transitam… Não nos fascinemos com eles nem os persigamos. Nossas são a taça de fel, a pedrada, a difamação, quiçá a cruz… Depois de tudo consumado, porém, conforme acentua o Mestre: "Os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros no reino dos Céus." Não será fácil. Nada é fácil. O fácil de hoje foi o difícil de ontem, será o complexo de amanhã. Quanto adiemos agora, aparecerá, depois, complicado, sob o acúmulo dos juros que se capitalizam ao valor não resgatado. Aclimatados à atmosfera do Evangelho, respiremos o ideal da crença…

E unidos uns aos outros, entre os encarnados e com os desencarnados, sigamos. Jesus espera: avancemos!

Joanna de Ângelis

(Franco, Divaldo Franco. Pelo espírito Joanna de Ângelis. Após a tempestade. Cap. 24 – Os novos Obreiros do Senhor. Ed. LEAL)

Agrupamentos espíritas

AGRUPAMENTOS ESPÍRITAS

 

Os agrupamentos espiritistas necessitam entender que o seu aparelhamento não pode ser análogo ao das associações propriamente humanas. Um grêmio espírita cristão deve ter, mais que tudo, a característica familiar, onde o amor e a simplicidade figurem na manifestação de todos os sentimentos. Em uma entidade doutrinária, quando surgem as dissensões e lutas internas, revelando partidarismos e hostilidades, é sinal de ausência do Evangelho nos corações, demonstrando-se pelo excesso de material humano e pressagiando o naufrágio das intenções mais generosas.

Nesses núcleos de estudo nenhuma realização se fará sem fraternidade e humildade legítimas, sendo imprescindível que todos os companheiros, entre si, vigiem na boa vontade e na sinceridade, a fim de não transformarem a excelência de seu patrimônio espiritual numa reprodução dos conventículos católicos, inutilizados pela intriga e pelo fingimento.

Emmanuel

(Xavier, Francisco Cândido. Espíritos diversos. Educandário de luz. Cap. Agrupamentos espíritas. São Paulo: IDEAL, 1985)

LEMBRANDO ALLAN KARDEC

LEMBRANDO ALLAN KARDEC

       

 

 

 

 

Meus amigos, seja conosco a paz do Senhor Jesus.

Celebrando hoje a coletividade espírita o octogésimo sexto aniversário da desencarnação de Allan Kardec, será justo erguer um pensamento de carinho e gratidão, em homenagem ao Codificador de nossa Doutrina, cujo apostolado nos religou ao Cristianismo simples e puro, descortinando amplos rumos ao progresso da Humanidade.

Recordando-lhe a memória, não refletimos apenas no alvião renovador que a sua obra representa na desintegração dos quistos dogmáticos que se haviam formado no mundo pelos absurdos afirmativos da religião e pelos absurdos negativos da ciência, mas, também, na luz de esperança que o seu ministério vem constituindo, há quase um século, para milhões de almas que vagueavam perdidas nas trevas do materialismo, entre o desânimo e a desesperação.

O Espiritismo marcha vitoriosamente na Terra, traçando normas evolutivas e colaborando, por isso, na edificação do mundo novo; entretanto, nas elevadas realizações com que se exorna, particularmente em nosso vasto setor de ação no Brasil, é imperioso não esquecer o apóstolo que, muitas vezes, entre a hostilidade e a incompreensão, batalhou e sacrificou-se para ser fiel ao seu augusto destino.

Saudando-lhe a missão venerável, pedimos vênia para sugerir, por vosso intermédio, a todos os cultivadores de nosso ideal, localizados em nossas múltiplas arregimentações doutrinárias, a criação de núcleos de estudo das lições basilares da Codificação, com o aproveitamento dos companheiros mais entusiastas, sinceros e responsáveis, em nosso movimento libertador, a fim de que as atividades tumultuárias, seja na composição do proselitismo ou no socorro às necessidades populares, não abafem a voz clara e orientadora do princípio. Na distância de oitenta e seis quilômetros, além do nascedouro, a fonte estará inevitavelmente contaminada pelos elementos estranhos que se lhe agregam ao corpo móvel.

Não nos descuidemos, assim, da corrente cristalina do manancial de nossas diretrizes, instituindo cursos de análise e meditação dos livros kardequianos para todos os aprendizes de boa-vontade.

Estudemos e trabalhemos, amemo-nos e instruamo-nos, para melhorar a nós mesmos e para soerguer a vida que estua, soberana, junto de nós.

A obra gloriosa do Codificador trouxe, como sagrado objetivo, a recuperação do amor e da sabedoria, da fraternidade e da justiça, da ordem e do trabalho, entre os homens, para a redenção do mundo. Não lhe olvidemos, pois, a salvadora luz e, acendendo-a em nosso próprio espírito, repitamos reconhecidamente: — Salve Allan Kardec!

Leopoldo Cirne

– Mensagem recebida em 31 de março de 1955, no Grupo Espírita Meimei, em Pedro Leopoldo, MG –

(Xavier, Francisco Cândido. Espíritos diversos. Instruções psicofônicas. Cap. 55. FEB).

Em Plena Era Nova

Há criaturas que deixaram, na Terra, como único rastro da vida robusta que usufruíam na carne, o mausoléu esquecido num canto ermo de cemitério.

Nenhuma lembrança útil.

Nenhuma reminiscência em bases de fraternidade.

Nenhum ato que lhes recorde atitudes como padrões de fé.

Nenhum exemplo edificante nos currículos da existência.

Nenhuma idéia que vencesse a barreira da mediocridade.

Nenhum gesto de amor que lhes granjeasse sobre o nome o orvalho da gratidão.

A Terra conservou-lhes, à força, apenas o cadáver – retalho de matéria gasta que lhes vestira o espírito e que passa a ajudar, sem querer, no adubo às ervas bravas.

Usaram os empréstimos do Pai Magnânimo exclusivamente para si mesmos, olvidando estendê-los aos companheiros de evolução e ignorando que a verdadeira alegria não vive isolada numa só alma, pois que somente viceja com reciprocidade de vibrações entre vários grupos de seres amigos.

Espíritas, muitos de nós já vivemos assim!

Entretanto, agora, os tempos são outros e as responsabilidades surgem maiores.

O Espiritismo, a rasgar-nos nas mentes acanhadas e entorpecidas largos horizontes de ideal superior, nos impele para frente, rumo aos Cimos da Perfectibilidade.

A Humanidade ativa e necessitada, a construir seu porvir de triunfos, nos conclama ao trabalho.

O Espírito é um monumento vivo de Deus – o Criador Amorável. Honremos a nossa origem divina, criando o bem como chuva de bênçãos ao longo de nossas próprias pegadas.

Irmãos, sede os vencedores da rotina escravizante.

Em cada dia renasce a luz de uma nova vida e com a morte somente morrem as ilusões.

O espírito deve ser conhecido por suas obras.

É necessário viver e servir.

É necessário viver, meus irmãos, e ser mais do que pó!

 

Eurípedes Barsanulfo

 

(Xavier, Francisco Cândido. Espíritos diversos. O Espírito da Verdade. Lição nº 12. FEB)

OPINIÕES

“Ai de vós, quando todos os homens de vós disserem bem, porque assim faziam seus pais aos falsos profetas” — Jesus (LUCAS 6, 26)

Indubitavelmente, muitas pessoas existem de parecer estimável, às quais podemos recorrer nos momentos oportunos, mas que ninguém despreze a opinião da própria consciência, porquanto a voz de Deus, comumente, nos esclarecerá nesse santuário divino.

Rematada loucura é o propósito de contar com a aprovação geral ao nosso esforço.

Quando Jesus pronunciou a sublime exortação desta passagem de Lucas, agiu com absoluto conhecimento das criaturas.

Sabia o Mestre que, num plano de contrastes chocantes como a Terra, não será possível agradar a todos simultaneamente.

O homem da verdade será compreendido apenas, em tempo adequado, pelos espíritos que se fizerem verdadeiros.

O prudente não receberá aplauso dos imprudentes.

O Mestre, em sua época, não reuniu as simpatias comuns.

Se foi amado por criaturas sinceras e simples, sofreu impiedoso ataque dos convencionalistas. Para Maria de Magdala era Ele o Salvador; para Caifás, todavia, era o revolucionário perigoso.

O tempo foi a única força de esclarecimento geral.

Se te encontras em serviço edificante, se tua consciência te aprova, que te importam as opiniões levianas ou insinceras?

Cumpre o teu dever e caminha.

Examina o material dos ignorantes e caluniadores como proveitosa advertência e recorda-te de que não é possível conciliar o dever com a leviandade, nem a verdade com a mentira.

Emmanuel

(Xavier, Francisco Cândido. Pelo Espírito Emmanuel. Caminho, verdade e vida. Cap. 80. FEB)

Sem desfalecimentos

“E não nos cansemos de fazer bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecido.” – Paulo (Gálatas, 6:9.)

Há pessoas de singulares disposições em matéria de serviço espiritual.

Hoje crêem, amanhã descrêem.

Entregaram-se, ontem, às manifestações da fé; entretanto, porque alguém não se curou de uma enxaqueca, perdem hoje a confiança, penetrando o caminho largo da negação.

Iniciam a prática do bem, mas, se aparece um espinho de ingratidão dos semelhantes, proclamam a falência dos propósitos de bem-fazer.

São crianças que ensaiam aprendizado na escola da vida, distantes ainda da posição de discípulos do Mestre.

O exercício do amor verdadeiro não pode cansar o coração.

Quem ama em Cristo Jesus guarda confiança em Deus, é feliz na renúncia e sabe alimentar-se de esperança.

O mal extenua o espírito, mas o bem revigora sempre.

O aprendiz sincero do Evangelho, portanto, não se irrita nem conhece a derrota nas lutas edificantes, porque compreende o desânimo por perda de oportunidade.

Problemas da alma não se circunscrevem a questões de dias e semanas terrestres, nem podem viver condicionados a deficiências físicas. São problemas de vida, renovação e eternidade.

Não te canses, pois, de fazer o bem, convencido, todavia, de que a colheita, por tuas próprias mãos, depende de prosseguires no sacerdócio do amor, sem desfalecimentos.

Emmanuel

(Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Vinha de luz. Cap. 82. FEB)

Igreja livre

“Mas a Jerusalém que é de cima, é livre, a qual é mãe de todos nós.” – Paulo. (Gálatas, 4:26.)

O exame isolado deste versículo sugere um tema de infinita grandeza para os discípulos religiosos do Cristianismo.

A palavra do apóstolo aos gentios recorda-nos a igreja liberta do Cristo, não na esfera estreita dos homens, mas no ilimitado pensamento divino.

O espírito orgulhoso e sectário, há tanto tempo dominante nas atividades da fé, encontra na afirmativa de Paulo de Tarso um antídoto para as suas venenosas preocupações.

Em todas as épocas, têm vivido na Terra os nobres excomungados, os incompreendidos valorosos e os caluniados sublimes.

Passaram, nos círculos das criaturas, qual acontece ainda hoje, perseguidos e desprezados, entre o sarcasmo e a indiferença.

Por vezes, sofrem o degredo social por não se aviltarem ante as explorações delituosas do fanatismo; em outras ocasiões, são categorizados à conta de ateus pelas suas idéias mal interpretadas.

É que, de quando em quando, rajadas de ódios e dúvidas sopram nas igrejas desprevenidas da Terra. Os crentes olvidam o “não julgueis” e confiam-se a lutas angustiosas.

Semelhantes atritos, contudo, não alteram a consciência tranqüila dos anatematizados que se sentem sob a tutela do Divino Poder. Instintivamente, reconhecem que além da esfera obscura da ação física resplandece o templo soberano e invisível em que Jesus recolhe os servidores fiéis, sem deter-se na cor ou no feitio de suas vestimentas.

Benfeitores e servos excomungados dos caminhos humanos, se tendes uma consciência sem mácula, não vos magoe a pedrada dos homens que se distanciam uns dos outros pelo separatismo infeliz! Há uma Igreja augusta e livre, na vida espiritual, que é acolhedora mãe de todos nós!…

Emmanuel

(Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Vinha de luz. Cap.55. FEB)

SAUDANDO ALLAN KARDEC

“Quando vier, porém, o Espírito da Verdade, ele vos guiará em toda a Verdade”… Jesus – João: 16-13.

Não ignorava Jesus que a Sua Mensagem padeceria o assalto das trevas.

Sabia que ao contato da poeira terrestre, converter-se-ia a fonte da sublime revelação em viciada corrente.

Não desconhecia que os homens se Lhe apropriariam do verbo santificante para situá-lo a serviço de paixões subalternas.

Anteviu as multidões enganadas e sofredoras, para as quais não mais se multiplicaria o pão do amor puro, confundidas pela penúria e pela discórdia.

Ele que rogara: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”, pressentia as guerras de ódio que se desencadeariam na Terra, em nome do Evangelho Renovador. E Ele que ensinara: “Perdoai setenta vezes sete”, adivinhava que os homens acenderiam fogueiras de perseguição, trucidando-se reciprocamente, acreditando exaltar-Lhe a memória.

Quase ao despedir-se dos companheiros simples e fervorosos que o seguiriam mais tarde até à dilaceração e ao sacrifício, percebeu que os cérebros vigorosos da sombra viriam nos passos do tempo senhorear-Lhe o rebanho de corações singelos, estabelecendo entre eles dolorosa escravidão espiritual.

Previu que o nevoeiro da perturbação humana Lhe abafaria transitoriamente a Sementeira Divina e que, um dia, em Seu Nome, o forte oprimiria o fraco e o fraco revoltar-se-ia contra o forte, que muitos dos melhores trabalhadores do mundo coroar-se-iam de vaidade, à frente dos infelizes, e que os infelizes, sem exemplo para a regeneração necessária, desmandar-se-iam na loucura e na delinquência.

Foi por isso que, em marcha inquietante para o supremo testemunho de lealdade a Deus, apiedou-se de quantos Lhe estenderiam a Obra de Redenção e prometeu-lhes a vinda do Consolador – O Espírito da Verdade – que Lhe restabeleceria a esperança e aclararia a palavra.

Dezenove séculos caíram na cinza das horas e, fiel ao compromisso assumido, enviou Jesus à Terra o Explicador Anunciado na Doutrina Espírita, cuja bandeira libertadora vem partindo as algemas da incompreensão e do fanatismo no campo da Humanidade. Eis porque, diante do primeiro centenário de “O Livros dos Espíritos”, a chave sublime do Cristianismo Restaurado, reverenciamos Allan Kardec , o Apóstolo da Verdade e Mensageiro da Luz.

Emmanuel

(Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Doutrina de luz. Cap. Saudando Allan Kardec. São Bernardo do Campo: GEEM)

RETIFICAR

Corrige amando para que a chama de teu auxílio não se apague ao golpe rijo do desespero.

Não prescindirás da bondade e da tolerância na retificação dos elementos mais simples.

O próprio ato de remendar a peça de roupa humilde, recuperada para servir-te, reclama desvelo justo.

Lembra-te de que o cirurgião recorre à anestesia para atender ao órgão doente e recorda que o artista trabalhando a pedra obscura, não a golpeia sem amor, a fim de que o buril, manejado com sabedoria e ternura, dela arranque a obra-prima que lhe expressará o sonho de perfeição e beleza.

Se realmente amas aquele que a sombra afeia e desfigura, não cobri-lo-ás de impropérios e maldições, porquanto, condenar quem já é de si mesmo desorientado e infeliz é o mesmo que precipitar o viajante inseguro no abismo das trevas ou acelerar a agonia do enfermo, arrojando-o ao visco da morte.

Não basta sentir o veneno do mal e perceber-lhe a influência.

É imprescindível descobrir o antídoto do bem para administrá-lo, sem alarme, na hora certa.

Diante dos corações que reconheces transviados em pedregoso caminho, estende em silêncio os braços amigos para que a fraternidade exalte o ministério da salvação, sem os remoques da crueldade que apenas conseguem piorar as moléstias do espírito, assim como a imprudência do enfermeiro alarga a ferida que as suas mãos se propunham a curar.

Guarda a certeza de que à frente do nevoeiro não vale gritar para que a sombra de extinga.

É necessário o socorro da paciência com a firme disposição de acender nova luz.

Emmanuel

(Xavier, Francisco Cândido. Pelo Espírito Emmanuel. Intervalos. Lição nº 25. Matão: O Clarim.)

Suicídio evitado: Há um século

          Com a minha gratidão, remeto-lhe o livro anexo, bem como a sua história, rogando-lhe, antes de tudo, prosseguir em suas tarefas de esclarecimento da Humanidade, pois tenho fortes razões para isso…"

            Allan Kardec, o Codificador da Doutrina Espírita, naquela triste manhã de abril de 1860, estava exausto, acabrunhado. 

            Fazia frio. 

            Muito embora a consolidação da Sociedade Espírita de Paris e a promissora venda de livros, escasseava o dinheiro para a obra gigantesca que os Espíritos Superiores lhe haviam colocado nas mãos. 

A pressão aumentava…

            Missivas sarcásticas avolumavam-se à mesa. 

Quando mais desalentado se mostrava, chega a paciente esposa, Madame Rivail – a doce Gabi -, a entregar-lhe certa encomenda, cuidadosamente apresentada. 

O professor abriu o embrulho, encontrando uma carta singela. E leu. 

"Sr. Allan Kardec: 

Respeitoso abraço. 

Com a minha gratidão, remeto-lhe o livro anexo, bem como a sua história, rogando-lhe, antes de tudo, prosseguir em suas tarefas de esclarecimento da Humanidade, pois tenho fortes razões para isso. 
           Sou encadernador desde a meninice, trabalhando em grande casa desta capital. 
           Há cerca de dois anos casei-me com aquela que se revelou minha companheira ideal. Nossa vida corria normalmente e tudo era alegria e esperança, quando, no início deste ano, de modo inesperado, minha Antoinette partiu desta vida, levada por sorrateira moléstia. 

Meu desespero foi indescritível e julguei-me condenado ao desamparo extremo. 
          Sem confiança em Deus, sentindo as necessidades do homem do mundo e vivendo com as dúvidas aflitivas de nosso século, resolvera seguir o caminho de tantos outros, ante a fatalidade…

            A prova da separação vencera-me, e eu não passava, agora, de trapo humano. Faltava ao trabalho e meu chefe, reto e ríspido, ameaçava-me com a dispensa. Minhas forças fugiam. 

Namorara diversas vezes o Sena e acabei planeando o suicídio. "Seria fácil, não sei nadar" – pensava. 

Sucediam-se noites de insônia e dias de angústia. Em madrugada fria, quando as preocupações e o desânimo me dominaram mais fortemente, busquei a ponte Marie. 

Olhei em torno, contemplando a corrente… E, ao fixar a mão direita para atirar-me, toquei um objeto algo molhado que se deslocou da amurada, caindo-me aos pés. 

Surpreendido, distingui um livro que o orvalho umedecera. Tomei o volume nas mãos e, procurando a luz mortiça do poste vizinho, pude ler, logo no frontispício, entre irritado e curioso:

"Esta obra salvou-me a vida. Leia-a com atenção e tenha bom proveito.

– A. Laurent."

Estupefato, li a obra – "O Livro dos Espíritos" – ao qual acrescentei breve mensagem, volume esse que passo às suas mãos abnegadas, autorizando o distinto amigo a fazer dele o que lhe aprouver."

Ainda constava da mensagem agradecimentos finais, a assinatura, a data e o endereço do remetente.

O Codificador desempacotou, então, um exemplar de "O Livro dos Espíritos" ricamente encadernado, em cuja capa viu as iniciais do seu pseudônimo e na página do frontispício, levemente manchada, leu com emoção não somente a observação a que o missivista se referira, mas também outra, em letra firme:

"Salvou-me também. Deus abençoe as almas que cooperaram em sua publicação. – Joseph Perrier."

Após a leitura da carta providencial, o Professor Rivail experimentou nova luz a banhá-lo por dentro…

Aconchegando o livro ao peito, raciocinava, não mais em termos de desânimo ou sofrimento, mas sim na pauta de radiosa esperança. Era preciso continuar, desculpar as injúrias, abraçar o sacrifício e desconhecer as pedradas…

Diante de seu espírito turbilhonava o mundo necessitado de renovação e consolo.

Allan Kardec levantou-se da velha poltrona, abriu a janela à sua frente, contemplando a via pública, onde passavam operários e mulheres do povo, crianças e velhinhos…

O notável obreiro da Grande Revelação respirou a longos haustos, e, antes de retomar a caneta para o serviço costumeiro, levou o lenço aos olhos e limpou uma lágrima…"

Hilário Silva

(Xavier, Francisco Cândido; Vieira, Waldo. Espíritos diversos. O Espírito da Verdade. Cap. 52, FEB)