Mansão do Caminho apresentou filme “Benedita. Uma heroína invisível”

Mansão do Caminho-Divaldo, apresentou filme “Benedita. Uma heroína invisível”

Antonio Cesar Perri de Carvalho

O filme “Benedita. Uma heroína invisível” foi exibido na Mansão do Caminho, em Salvador (Bahia), no dia 19 de novembro, com público lotando o auditório da instituição. Essa grande obra assistencial foi fundada e é liderada por Divaldo Pereira Franco.

Na oportunidade, estivemos presentes, como autor do livro “Benedita Fernandes. A dama da caridade” (Ed. Cocriação), que foi base para o enredo do filme.

A Mansão do Caminho distribuiu impresso da primeira mensagem psicografada por Divaldo, pelo espírito Benedita – “Emergência para a criança”. A reunião foi dirigida pelo presidente da Mansão do Caminho, Mário Sérgio, que nos apresentou.

Após a apresentação do filme, em que Divaldo é um dos entrevistados, proferimos palestra focalizando momentos de nossa longa amizade com Divaldo Pereira Franco, iniciada nos tempos em que residíamos em Araçatuba. Naquele período fomos anfitrião do orador em inúmeras visitas à cidade e região e, inclusive, as primeiras psicografias pelo médium do espírito Benedita, ocorreram em lares de nossos pais e no nosso em Araçatuba, como o texto “Emergência para a criança” (1973) e “Junto aos que sofrem” (1976). Embora no dia da exibição Divaldo já estivesse temporariamente afastado de suas atividades em função de tratamento de saúde especializado, fizemos uma homenagem ao médium pelas suas contribuições ao movimento espírita. Além das informações do filme, comentamos algumas considerações históricas e doutrinárias sobre Benedita, pioneira da assistência social espírita na região de Araçatuba.

Previamente a esse evento, o presidente Mário Sérgio e equipe da Mansão do Caminho, como Joseval Júnior da TV da Mansão, recepcionaram-nos com lanche na casa principal da Mansão do Caminho.

Importante registrarmos que Divaldo manifestou-se sobre o lançamento do filme: “Querido Cesar: Paz em Jesus. Com imensa alegria recebi sua mensagem e exulto com o êxito do trabalho sobre a amada Missionária” (E-mail de outubro de 2023). A proposta de exibição citada aparece em e-mail que nos enviou no dia 14/05/2024: “Claro que gostaríamos de ver o filme sobre a querida dona Benedita”. No mês passado, em programa da TV Mansão do Caminho, Divaldo Pereira Franco anunciou pessoalmente a apresentação do filme “Benedita uma heroína invisível. O legado da superação”, na Mansão do Caminho. Inclusive mostrou a primeira mensagem pela sua mediunidade do espírito Benedita Fernandes – “Emergência para a criança”.

A exibição marcante do filme na Mansão do Caminho, ocorreu exatamente um ano após a disponibilização dessa película mediante agendamento. Neste período foi apresentado em instituições do exterior e de várias Estados do Brasil. Em todos os locais suscita nos espectadores muito interesse e admiração pelos exemplos de vida, de grandes superações, do vulto notável de Araçatuba. O filme sobre Benedita foi produzido por Sirlei Nogueira (Ed. Cocriação) e Lalucci Filmes.

Publicado em: Folha da Região. Araçatuba, 28/11/2024. Fl.2

FILOSOFIA ESPÍRITA: A ÉTICA E A MORAL ESPÍRITA

FILOSOFIA ESPÍRITA: A ÉTICA E A MORAL ESPÍRITA

Aylton Paiva

O Espiritismo inicia com a Filosofia Espiritualista Espírita, conforme a indicação na primeira página de O Livro dos Espíritos, organizado por Allan Kardec.

Como Filosofia ele tem uma parte Ética que se encontra na Parte Terceira – Das Leis Morais, do citado livro, expressa nos capítulos: Da lei divina ou natural, Da Lei da adoração, Da Lei do trabalho, Da lei de reprodução, Da lei da conservação, Da lei da destruição, Da lei de sociedade, Da lei do progresso, Da lei de igualdade, Da lei de liberdade, Da lei de justiça, de amor e de caridade, da Perfeição Moral. Nessas leis estão os valores que devem nortear a Moral Espírita, isto é, o comportamento do espírita na sociedade.

Logo, para que uma pessoa seja espírita “consciente”, ela precisa conhecer a Ética Espírita a fim de que seu comportamento seja um comportamento expressando a Moral Espírita.

Para a Filosofia Espiritualista Espírita esses valores estão impressos na lei Natural ou Lei Divina, conforme a questão nº 614 do já citado livro. Indagou Allan Kardec: “ Que se deve entender por lei natural?” Os Mentores Espirituais responderam: “ A lei natural é a lei de Deus. É a única verdadeira para a felicidade do homem. Indica-lhe o que deve fazer ou deixar de fazer e ele só é infeliz quando dela se afasta.” (1)

Definem claramente o Bem e o Mal, consoante a questão 629: “ Que definição se pode dar da moral?”. Responderam os Mentores Espirituais: “ A Moral é a regra de bem proceder, isto é, de distinguir o bem do mal. Funda-se na observância da lei de Deus. O homem procede bem quando tudo faz pelo bem de todos, porque então cumpre a lei de Deus”.

Com o seu conhecimento sobre Filosofia, indaga, novamente, Kardec, na questão nº 630: “ Como se pode distinguir o bem do mal?”. Os Mentores Espirituais dizem: “ O bem é tudo o que é conforme à lei de Deus; o mal, tudo o que lhe é contrário. Assim, fazer o bem é proceder de acordo com a lei de Deus. Fazer o mal é infringi-la.”.

Solicita Kardec: “Uma vez que Jesus ensinou as verdadeiras leis de Deus, qual a utilidade do ensino que os Espíritos dão? Terão que nos instruir mais algumas coisa?” E a resposta se faz clara: “ Jesus empregava amiúde, na sua linguagem alegorias e parábolas, porque falava de conformidade com os tempos e os lugares. Faz-se mister agora que a verdade se torne inteligível para todo o mundo” ( Questão 627)

Assim, a Ética Espírita explica, detalha, contextualiza a Ética Cristã. O conhecimento da Ética Espírita, consequentemente, é indispensável para o melhor entendimento da Ética que Jesus trouxe. Portanto, se uma pessoa frequenta o centro espírita para ouvir palestras, para receber a assistência espiritual, participa das atividades no centro espírita, como: voluntario na assistência social, atividades administrativas e outras, ela pode ser uma pessoa boa, deseja fazer o bem, contudo não conhece a Ética Espírita ela age de conformidade com a sua própria moral, que pode se aproximar da Ética Espírita ou não.

OBSERVAÇÃO: Na linguagem comum, vulgar, as palavras ética e moral são usadas como sinônimos, mas na linguagem filosófica os termos têm significados diferentes. ÉTICA: conjunto de valores em uma Filosofia que definem o certo e o errado. O bem e o mal. MORAL: é a aplicação dos valores da Ética no comportamento do ser humano em sua convivência na sociedade. Temos então: A moral espírita é a aplicação dos valores da Ética, conforme a Filosofia Espiritualista Espírita, no comportamento das pessoas.

Mocidades Espíritas – origens, desenvolvimento e a atualidade

Mocidades Espíritas – origens, desenvolvimento e a atualidade

 

 

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Em alguns registros de datas evocativas aparece o dia 13 de novembro como o “dia do moço espírita”. Atualmente, não se nota referência a essa data, diferente dos anos 1950 e 1960 quando era assinalada em “calendários espíritas” e ocorriam comemorações alusivas à efeméride.

Qual a origem da então data comemorativa? Por que caiu no esquecimento?

No contexto de intensas atividades de jovens espíritas e de criação de mocidades espíritas é que começou a ser evocada a citada data.

No final dos anos 1940, havia muito dinamismo e idealismo no movimento espírita e com expressiva atuação de jovens espíritas.

Entre as propostas vicejava a de se estabelecer uma efetiva união dos espíritas. Nesse contexto é que ocorreu o histórico Congresso Brasileiro de Unificação Espírita (São Paulo, 1948). Como desdobramento e até reação, tipo defensiva, um ano depois, repentinamente foi definido o chamado “Pacto Áureo”, assinado com a FEB, em outubro de 1949, prevendo a criação do Conselho Federativo Nacional da FEB.

Ao mesmo tempo, algumas lideranças jovens radicadas no Rio de Janeiro aproximaram-se da Federação Espírita Brasileira e assinaram um compromisso que ficou conhecido como Ato de Unificação das Mocidades Espíritas do Brasil, no dia 13 de novembro de 1949. Em seguida, no dia 02 dezembro de 1949, foi criado o Departamento de Juventude da FEB, dirigido por um diretor adulto da Instituição. Em janeiro de 1950 nasceu o jornal Brasil Espírita, de responsabilidade desse Departamento da FEB. Em decorrência desses episódios, a partir de lideranças jovens do Rio de Janeiro e da FEB, o dia 13 de novembro passou a ser designado de “dia do moço espírita”. A data comemorativa foi assinalada pelo movimento das mocidades espíritas, mas o citado Departamento da FEB e seu jornal não tiveram maiores influências entre os moços espíritas.

Atualmente, ponderamos se não seria questionável a forma como foi assinado o compromisso citado no dia 13 de novembro, apresentando-o como expressão nacional?

Torna-se importante realçarmos que as criações e ações dos jovens espíritas eram independentes, com idealismo e dinamismo típicos da faixa etária e, de certa forma, preenchendo uma lacuna no movimento espírita da época, pois os jovens promoviam o estudo e a difusão das obras básicas de Kardec. De certa forma, os centros espíritas estavam mais envolvidos com reuniões mediúnicas, atividades assistenciais e reuniões com palestras. Por isso, nos anos 1940 Leopoldo Machado desfraldou a bandeira e campanha de “espiritismo de vivos”.

[…] O ano de 1948 registra importantes fatos: foi realizado o 1o Congresso de Mocidades Espíritas do Brasil (17 a 25/7/1948) efetivado na cidade do Rio de Janeiro, liderado pelo incansável Leopoldo Machado; surgiu em Barretos (SP) a Concentração de Mocidades Espíritas do Brasil Central e Estado de São Paulo – COMBESP, reunindo jovens de Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e o Distrito Federal (Rio de Janeiro). Destacamos que esse evento anual foi o maior celeiro de preparação de lideranças e expositores espíritas.

[…] Destacamos que até então as mocidades geralmente eram autônomas. A chamada departamentalização delas se inicia nos anos 1960, como anotamos na sequência. O Conselho Federativo Nacional da FEB, iniciava eventos regionais com a discussão sobre temas do movimento espírita. Em 1962, o Simpósio Centro-Sulino, realizado em Curitiba, aprovou deliberações significativas para as Mocidades Espíritas. Com base neste documento recomendou-se a suspensão da COMBESP, encerrada em 1966 na mesma cidade onde surgiu, Barretos (SP), e, estimulando a promoção de eventos estaduais, pelas Federativas Estaduais. Outra recomendação é que as Mocidades e Juventudes Espíritas se transformassem ou fossem criadas como departamentos de Centros Espíritas.

[…] Na década de 1970, a partir da FEB, surgiram questionamentos sobre cursos, eventos de jovens, acarretando um desestímulo e até desmantelamento de ações de infância e juventude, com registros na revista Reformador. A essa postura, em seguida, houve reação do presidente Francisco Thiesen que considerou uma “decisão infeliz” da Instituição e de sua revista, e, em 1977, este presidente da FEB inicia uma nova etapa com a instalação da Campanha Nacional de Evangelização Infantojuvenil.

Nesse registro histórico sobre as ações das mocidades espíritas junto às instituições, que na época contribuíram para o estímulo ao estudo, destacamos a preparação de recursos humanos e para a dinamização do movimento espírita no início da segunda metade do Século XX.

A nosso ver, a departamentalização das mocidades, por um outro lado, gerou condições para que dirigentes adultos passassem a exercer um certo controle.

Nas federativas criou-se um departamento de infância e juventude. A exceção foi a USE-SP, mantendo departamentos separados de Mocidades e de Infância.

Começamos a notar claramente, uma ênfase à evangelização infantil e, digamos, criando-se uma visão com perspectiva mais infantilizada do adolescente e do jovem. Simultaneamente houve o progressivo acesso ao ensino superior e consideráveis contingentes de jovens espíritas tornaram-se universitários. Esse contexto cria ambientações intelectuais e até momentos de impactos que influenciam no amadurecimento dos jovens universitários. Muitos não mais se adequaram ao tipo de organização e funcionamento dos centros espíritas. Estes, em geral, fecharam-se com propostas de cursos com programações padronizadas que, na atualidade, não é motivador para a infância e juventude que gostariam de analisar questões da sociedade atual à luz do espiritismo.

Há deficiência de criação de autênticos espaços de convivência e interativos com essas faixas etárias. Há algum tempo procuramos chamar atenção do movimento espírita para a compreensão dos novos contextos, inclusive durante nossa gestão como presidente da FEB, encontrando muitas resistências. Nosso ponto de vista fica reforçado com a simples verificação de como anda a presença de jovens nos centros espíritas. Há um registro forte e marcante que corrobora nossa opinião: nos dados dos Censos do IBGE, desde 2000 e 2010, na análise comparativa com as demais religiões, o segmento espírita e das religiões orientais são as que menos cresceram nas faixas etárias até 29 anos.

Cremos que relacionamos algumas causas do decréscimo da presença de jovens no movimento espírita. Matéria para estudos e reflexões!

Fonte:

Carvalho, Antonio Cesar Perri. Centro Espírita: prática espírita e cristã. São Paulo: USE-SP. 2016. 196p.

Síntese-trechos de artigo do autor publicado em Dirigente Espírita (copie e cole): https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2024/11/reDE-203-nov-dez-2024.pdf

Significado espírita do pão

Significado espírita do pão

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Meses atrás fomos convidados para o programa “Gotas de Esperança" do Instituto de Difusão Espírita Allan Kardec – IDEAK, para desenvolver tema com base no capítulo “Pão de cada dia”, do livro Caminho, Verdade e Vida (Cap. 174, Emmanuel/FCX).

O autor espiritual induz ao raciocínio e interpretação espiritual sobre o significado do pão: “O servo trabalha e o Altíssimo lhe abençoa o suor. É nesse processo de íntima cooperação e natural entendimento que o Pai espera colher, um dia, os doces frutos da perfeição no espírito dos filhos”.

Naquela oportunidade, tivemos condição de divagarmos sobre o tema e extrapolarmos a visão estrita de alimento material.

Historicamente, o pão sempre foi considerado marcante nos textos bíblicos.

Em todos os tempos, mesmo nos mais remotos, foi o pão o principal alimento dos hebreus. Era um elemento essencial nas ofertas e nos rituais de adoração.

O pão é mencionado em várias passagens no Antigo e Novo Testamento e seu significado vai além do aspecto físico do alimento.

Com base em João (6, 35) Jesus se identificou como o “pão da vida”: “Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede”.

Ele se apresenta como fonte de vida espiritual e que aqueles que creem nele encontrarão satisfação e plenitude.

Na Última Ceia, disse Jesus: “Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim” (Lucas 22, 19).

Nesse contexto, o pão também representa o corpo de doutrina, de pensamentos e ensinos, para que seja incorporado entre as pessoas. É a melhor memória!

Em festas judaicas a celebração da refeição é iniciada com o pão.

O pão também simboliza o reforço de laços familiares ao se reunirem para comê-lo.

Em O Evangelho segundo o Espiritismo (Cap. 28), Kardec analisa cada frase da prece do Pai Nosso, e, sobre “Dá-nos o pão de cada dia”, destaca a ideia que deve animar o sentimento de quem a profere: “Dá-nos o alimento indispensável à sustentação das forças do corpo; mas dá-nos também o alimento espiritual para o desenvolvimento do nosso Espírito”.

Em obra formidável – Pai Nosso – o espírito Meimei, pela psicografia de Chico Xavier tem um capítulo sobre a frase: “pão nosso de cada dia dá-nos hoje”. A mensageira espiritual destaca que “O pão nosso de cada dia não é somente o almoço e o jantar, o café e a merenda. É também a ideia e o sentimento, a palavra e a ação.” E encerra o capítulo anotando: “Em Jesus temos o pão que desceu do Céu.

E, ainda hoje, o Mestre continua alimentando o pensamento da Humanidade, por intermédio de um Livro — o Evangelho Divino, em que ele nos ensina, através da bondade e do amor, o caminho de nossa felicidade para sempre”.

Portanto, o “pão da vida”, os ensinos de Jesus representam o verdadeiro e inextinguível alimento para o espírito imortal!

Educação com valores e sentimentos

Educação com valores e sentimentos

 

Antonio Cesar Perri de Carvalho

O assunto educação à luz do espiritismo, ao longo do século XX, contou com variados momentos: de implantação de programas para crianças e jovens, depois para adultos; a criação de instituições de ensino espíritas e as propostas para as orientações básicas nos ambientes familiares.

Por razões legais, surgiu um novo cenário para as instituições de ensino, com a promulgação da Constituição Brasileira, em 1988 e a vigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9.394, de 20/12/1996). Além da premissa da laicidade, cabem aos Conselhos de Educação Municipais, Estaduais e o Nacional, a definição de requisitos para a autorização e para a avaliação de instituições de ensino e para oferta de seus cursos.

Nesse contexto, e por cenários mercadológicos, a maioria das instituições de educação espíritas não subsistiram. Todavia, além da vertente formal há imenso campo de atuação. Aí ressalta-se a necessidade de se priorizar as atenções e apoios às instituições espíritas que, sem preocupação do ensino formal e profissional, têm um amplo espectro de atuação no conceito de “escola de espíritos”, de orientação de encarnados, nas várias faixas etárias, e de desencarnados.1

Evidentemente que tudo tem seu momento e dosagem. Os cursos no ambiente espírita foram e são necessários, mas é notório um excesso de “escolarização”: programas padronizados, visão infantilizada da adolescência e juventude, exigências de requisitos e de pré-requisitos para cursos e atividades. O potencial trabalhador tem dificuldade de se integrar com espontaneidade nos centros espíritas. A própria mediunidade está “engessada” e há espíritas e centros que nem contam com a atuação de médiuns porque estes se tornaram “especializados” ou raros. O evidente decréscimo da atuação de adolescentes e jovens. A soma da quantidade de anos desde os momentos iniciais dos ciclos de infância e juventude, até os demais cursos, ultrapassa-se o tempo de formação de um profissional de nível superior. É hora de se fazer um reestudo sensato e sério de todo o processo.1

Na ótica espiritual, a educação é um processo abrangente e continuado e, que Emmanuel, aponta desde a base: “a melhor escola ainda é o lar, onde a criatura deve receber as bases do sentimento e do caráter. Os estabelecimentos de ensino, propriamente do mundo, podem instruir, mas só o instituto da família pode educar. É por essa razão que a universidade poderá fazer o cidadão, mas somente o lar pode edificar o homem”.2 Também Emmanuel – em livro homônimo –, desde 1938 oferece diretrizes para um “plano pedagógico que implica esse grandioso problema tem de partir ainda do simples para o complexo. Ele abrange atividades multiformes e imensas”.3

Esses parâmetros devem nortear as ações espíritas.

[…] De nossa parte, valorizamos as propostas vivenciadas por Mário da Costa Barbosa (1936-1990), um bom e prudente visionário, com desdobramentos de sua ação bem-marcados principalmente nos Estados do Pará e de São Paulo. Trata-se da Metodologia do Espaço de Convivência, Criatividade e Educação pelo Trabalho (ECCET).4 Em síntese, Mário da Costa Barbosa insistia: “[…] a metodologia não deveria ser apreendida com um receituário ou modelo para ser aplicado e, sim, uma maneira de viabilizar o trabalho Assistencial Espírita, a Evangelização (de crianças, jovens e adultos), e a própria convivência no dia a dia da casa espírita. A compreensão e prática das categorias favorece a relação entre os ideais cristãos e as possibilidades reais de viver a mensagem no contexto em que se está inserido.”4

No livro Conviver para amar e servir que registra essa proposta, os organizadores concluem: “Essa proposta metodológica para os espíritas é uma forma de lembrar que em nossas práticas a caridade verdadeira deve presidir o agir e o pensar, logo convidando evangelizadores/trabalhadores/assistentes a buscar a vivência da mensagem, do que ideias de catequizar mentes. Dando sentido prático e essencial ao “amar ao próximo como a si mesmo”1,4. Tudo dentro de uma ação tangenciadora e integradora, sem delimitações em departamentos e hierarquias.1

[…] Numa série de quatro seminários intitulados “Educação & Atividades Espíritas” realizados na sede da Federação Espírita Brasileira, durante nossa gestão, entre 2014 e início de 2015, atuaram expositores espíritas convidados, com efetiva ação na docência em vários níveis de ensino. Temas centrais: Mudança para transformação? Mudar equivale a transformar? Como ensinar a Doutrina Espírita com sentido e prazer, de forma a contribuir com a felicidade, a realização pessoal e profissional de cada participante de estudo e para a construção de uma sociedade mais justa, humana e socialmente viável? Ao final, concluiu-se que há necessidade de algumas mudanças que possam levar a transformações, como: “criar espaços interativos e dialógicos nos encontros de aprendizagem (mais conversa, menos exposição; os participantes têm muito com que contribuir); organizar espaços de aprendizagem atrativos e diversificados (jardins, excursões, visitas culturais e assistenciais); promover mais momentos informais de confraternização; conhecer o perfil do grupo e considerá-lo na escolha de abordagens didático-pedagógicas, as quais devem ser criativas e diversas; desenvolver acolhimento e zelo nas relações interpessoais; abordar o conhecimento doutrinário como apoio à transformação moral e social e não como um fim em si mesmo; considerar os saberes anteriores e atuais dos participantes no desenvolvimento do conteúdo; desenvolver acolhimento e zelo nas relações interpessoais; abordar o conhecimento doutrinário como apoio à transformação moral e social e não como um fim em si mesmo; considerar os saberes anteriores e atuais dos participantes no desenvolvimento do conteúdo; trabalhar com problemas e não somente com temas”.1,5

[…] Em síntese, entendemos que há necessidade de se trabalhar não apenas em nível cognitivo, mas com os valores e sentimentos.

Referências:

1) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Centro espírita. Prática espírita e cristã. Cap. 1.1 e 5.2.4. São Paulo: USE. 2016.

2) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. O consolador. Perg. 110. Brasília: FEB. 2013.

3) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Emmanuel. Cap. XXXV. Brasília: FEB. 2013.

4) Sarmento, Helder Boska de Moraes; Pontes, Reinaldo Nobre; Parolin, Sonia Regina Hierro (Org). Conviver para amar e servir. Baseado em Mário da Costa Barbosa. Brasília: FEB. 2013. 166p.

5) FEB discute educação e atividades espíritas. Brasil Espírita. In: Reformador. Ano 133. No 2.232. Março de 2015. p.187.

Síntese de artigo do autor publicado em:

Revista Educação Espírita. Ano 1. Número 5. Novembro /Dezembro de 2024. P.14-17. Acesso (copie e cole): Educação Espírita – 5 | Juventude Espírita

 

Dirigente Espírita alcança 35 anos de proposta inovadora

Dirigente Espírita alcança 35 anos de proposta inovadora

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Ao se chegar ao 35o ano de circulação de Dirigente Espírita, numa retrospectiva sobre seu lançamento, há necessidade de situarmos o contexto em que surgiu como uma proposta inédita.

No segundo semestre de 1990, ocorriam as intersecções de tendências que vivíamos como recém-empossado presidente da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo (USE-SP) e com a experiência concomitante de gestor universitário. Em nossa gestão na presidência da USE-SP coordenávamos uma equipe que propunha novos rumos à Instituição.

Como linha mestra propunha-se a modernização da USE-SP adequando-a às necessidades do movimento e em apoio aos dirigentes espíritas.

Concomitantemente na área acadêmica, estávamos incumbidos de implantar na Universidade Estadual Paulista um fato novo na época: os conselhos de cursos que, diferente da estrutura departamental já viciada em corporativismos e ações “cartoriais”, apresentava-se como uma ação integrada para melhor se gerir os cursos de graduação.

De certa forma havia similitude de ideias básicas entre as duas vivências simultâneas.

Entre os companheiros de direção da USE-SP alguns nos traziam as experiências inovadoras dos meios empresarial e de comunicação e comentava-se muito em se superar a tradição de ações que no conjunto é chamada de “cartorial”, com uma organização tipo “caixas” e “gavetas”, que caracterizavam os departamentos e setores estanques nas instituições espíritas.

Nas reuniões iniciais daquela diretoria executiva da USE-SP, no 2o semestre de 1990, discutiu-se sobre a necessidade de reanálise sobre o órgão oficial da Instituição, o tradicional jornal Unificação. Esse órgão há alguns anos padecia de dificuldades de indefinições editoriais e, alguns momentos, com lapsos de circulação. Em avaliação e decisão rápida a nova diretoria da USE-SP definiu que seria o momento de se enfrentar um enorme desafio, de transformar o antigo periódico em um veículo moderno e direcionado aos dirigentes espíritas. Entre as ideias que surgiam é que não seria um órgão, comum na época, efetivando meras transcrições de trechos de livros psicográficos ou de divulgação de mensagens espirituais. Haveria ênfase em matérias de companheiros com colocações objetivas, com base em vivências e tendo como público-alvo a equipe de dirigentes e colaboradores dos centros.

Nessas condições, foi aceito o título para o novo jornal e a proposta apresentada por Wilson Garcia, um dos colaboradores daquela diretoria. Dois meses após a posse da nova diretoria circulou o novo veículo, o Dirigente espírita, mantendo como sub-título “Unificação”, mas renumerando-o: Ano I, No 1, Setembro/Outubro de 1990. Integraram a equipe do jornal: Editor – Wilson Garcia; Secretário – Ivan René Franzolim; Redação – Luiz Antonio Fuchs, Éder Fávaro e Antonio Cesar Perri de Carvalho; Assinaturas – Carlos Teixeira Ramos.

Da edição inaugural, destacamos trechos do editorial da presidência da USE: “Em que pese toda a tradição e valor do jornal ´Unificação´, entendemos ser necessária uma urgente e oportuna alteração de rota. É momento da USE inovar e imprimir ´novos rumos’ no campo da comunicação. Como entidade unificadora e coordenadora do movimento espírita estadual, não seria ideal utilizar um veículo de informação igual a muitos outros ou até competidor com periódicos de inúmeras sociedades unificadas. Nada mais natural, pois, que disponha de um veículo voltado ao dirigente espírita. Surge ‘Dirigente Espírita’, inicialmente, de circulação bimestral. Que sua mensagem dirigida enseje orientação, intercâmbio e fortalecimento do Centro e do movimento espírita, estabelecendo uma constante via de mão dupla entre o jornal e seus leitores”. O editor Wilson Garcia anota na apresentação: “Dirigente espírita é fruto do desejo de preencher uma lacuna existente na imprensa espírita brasileira, qual seja de produzir um veículo exclusivo para dirigentes espíritas. […] A proposta editorial de Dirigente espírita é bastante clara: será um jornal destinado ao centro espírita. Não pretende ensinar ou corrigir situações doutrinárias, mas falar aos responsáveis pelos trabalhos de igual para igual, ouvindo suas opiniões, levantando seus interesses, nos mesmos moldes de qualquer veículo da imprensa que sabe que o importante é o leitor”.

No exemplar inaugural há matérias sobre: organização dos passes, de nossa autoria; entrevista com Hermínio Miranda: a ciência espírita é uma realidade que está aí; imprensa e centro espírita, e, as casas espíritas não se envolvem em política partidária, ambos artigos de autoria de Wilson Garcia; a ciência e o centro espírita (Luiz Fuchs); o centro espírita e seus colaboradores (Ivan René Franzolim); muitas notícias das várias regiões do movimento espírita paulista, inclusive sobre os preparativos para o VIII Congresso Espírita Estadual com proposta inovadora voltada ao centro espírita, e, a seção da USE Editora, também vinculada à mesma orientação.

O objetivo do novo órgão: “o centro é nossa meta”, se inseria na coluna mestra das ações daquela diretoria executiva da USE-SP. A inovação não foi exclusivamente na linha editorial, mas também na forma: tipo de papel, tamanho e composição.

A circulação inicial provocou impactos. As reações favoráveis foram imediatas, em correspondências e até referências em outros periódicos. Outras, contrárias, vinculadas à manutenção do jornal tradicional e até eloquentes, foram expressas em reuniões do Conselho Deliberativo Estadual. Com esclarecimentos, paciência e persistência a proposta inovadora foi mantida e com o tempo o Dirigente espírita consolidou-se, sendo muito bem aceito pelo seu público-alvo.

Fica claro que o surgimento de Dirigente espírita estava inserido num projeto global de alterações no modus operandi da USE-SP, que se efetivou ao longo dos anos 1990.

Depois dessas décadas, reconhecemos que o jornal Dirigente espírita nasceu em um momento de ousadia para a época, como uma proposta inédita, inovadora e para melhor atender as necessidades do movimento espírita. Esse periódico, agora transformado em revista digital, em nossa ótica mantém seu diferencial na imprensa espírita e tem atendido aos seus objetivos.

Extraído de: Dirigente Espírita, setembro-outubro 2024. Ano 35:

Acesso (copie e cole): reDE-200-abril-a-junho-2024.pdf

OS ESPÍRITAS E A ELEIÇÃO

OS ESPÍRITAS E A ELEIÇÃO

Aylton Paiva

“Sirva de base às instituições sociais, às relações legais de povo a povo e de homem a homem o princípio da caridade e da fraternidade e cada um pensará menos na sua pessoa, assim veja que outros nela pensaram. Todos experimentarão a influência moralizadora do exemplo e do contato” (Questão nº 917 de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec),

Esclarecem os Espíritos, em O Livro dos Espíritos, que o progresso moral decorre do progresso intelectual, porém nem sempre a ele se segue (Questão no. 780).

Nós espíritas sabemos que temos um compromisso intransferível com a autoeducação: “Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas más inclinações” (Cap. XVII, item 4, “in fine” de O Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec).

Mas, esse aperfeiçoamento pessoal deve refletir-se em nossa atuação consciente para transformar a sociedade em uma sociedade justa e amorosa, pois advertem os Espíritos: “Numa sociedade organizada segundo as leis do Cristo, ninguém deve morrer de fome” e adita Allan Kardec: “… Quando praticar ( o homem) a Lei de Deus, terá uma ordem social fundada na justiça e na solidariedade e ele próprio será melhor” (Questão 930 de O Livro dos Espíritos).

Também no livro A Gênese, de Allan Kardec, encontramos o esclarecimento: “O Espiritismo não cria a renovação social: a madureza da humanidade é que fará dessa renovação uma necessidade. Pelo seu poder moralizador, por suas tendências progressistas, pela amplitude de vistas, pela generalidade das questões que abrange, o Espiritismo é mais apto do que qualquer outra doutrina para secundar o movimento de regeneração; por isso, é ele contemporâneo desse movimento. Surgiu na hora em que podia ser de utilidade, visto que também para ele os tempos são chegados” (in A Gênese, de Allan Kardec – ed. FEB ).

Destaca-se, então, o compromisso do espírita com uma nova ordem social, fundada no Direito e no Amor. Obviamente, essa transformação dependerá da ação consciente dos bons e ao lado deles, os espíritas atuando com uma “consciência política", fundamentada nos princípios éticos das Leis Morais de O Livro dos Espíritos. Portanto, não pode o espírita alienar-se da sociedade e deve agir, com conhecimento e amor, nessa transformação, em importante momento histórico da civilização humana: “Aproxima-se o tempo em que se cumprirão as coisas anunciadas para a transformação da Humanidade” (O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XX, item 5º).

Observando a ousadia da maldade e a confusão entre bondade e omissão, Allan Kardec indagou aos Espíritos: “Porque, no mundo, tão amiúde, a influência dos maus sobrepuja a dos bons?”. Os Mentores Espirituais responderam: “ Por fraqueza destes. Os maus são intrigantes e audaciosos, os bons são tímidos. Quando estes o quiserem, preponderarão” (Questão 932 de O Livro dos Espíritos – Ed. FEB ).

A resposta é clara e precisa, não permite dúvidas àqueles que pretendem ser bons. O mundo e, especificamente, a estrutura social brasileira, está precisando de transformações urgentes para coibir a ação dos maus que solapam os bons costumes, que semeiam a miséria, que se utilizam dos instrumentos da corrupção, da fraude e da mentira para atingirem seus objetivos egoísticos e antiéticos.

Momento significativo para a transformação da sociedade é a realização de eleições para os poderes Legislativo e Executivo.

Em breve seremos novamente chamados às urnas. O espírita precisa estar consciente da sua responsabilidade nesse momento, seja pleiteando cargos eletivos, seja simplesmente sinalizando o seu voto na urna. O voto é uma procuração que se passa ao candidato para que, se eleito, ele aja em nosso nome a bem da coletividade. É a maior manifestação de amor e respeito ao povo. Não votar, anular o voto, omitir-se é apoiar as forças do mal, é permitir que maus sobrepujem os bons. Para que o espírita tenha critérios de avaliação do candidato, compare a sua conduta como membro da família, na atividade profissional, seu interesse e envolvimento com a comunidade e os princípios contidos em O Livro dos Espíritos – 3ª Parte – Das Leis Morais, onde estão os conceitos sobre: o Bem e o Mal, a Sociedade, o Trabalho, o Progresso e a Igualdade, Justiça e Amor.

Não se deve levar as questões político-partidárias para dentro do Movimento, Centro ou Instituição Espírita. Estas devem ser debatidas no seio da sociedade, mas o espírita deve estar consciente e responsável nas aplicações dessas questões, visando sempre o bem comum.

Vote consciente. VOTE COM AMOR!

Do contexto do Auto de Fé de Barcelona à atualidade

Do contexto do Auto de Fé de Barcelona à atualidade

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

O episódio do Auto de Fé efetivado em Barcelona (Espanha), no dia 09 de outubro de 1861, para queima pública de livros e revistas espíritas, enviados por Allan Kardec para o livreiro Maurice Lachâtre é sempre lembrado entre as efemérides históricas do espiritismo.

Em realidade, esse fato se insere no contexto das relações entre a igreja católica e países onde ela exercia forte influência junto ao povo e aos governos. No Século XIX, “época das grandes luzes”, com variadas descobertas e teorias, ocorreram modificações na concepção, no papel e o modo de vida do homem. O Codificador viveu nesse cenário renovador e conturbado. Era um período de polêmicas e choques na vida política e religiosa da França.

[…] Em 1863 Kardec faz uma resenha na Revue spirite1 sobre o livro Sermões sobre o Espiritismo pregados na catedral de Metz refutados por um espírita de Metz. O autor da obra refutava os sermões de combate ao espiritismo proferidos pelo padre R.P. Letierce, na cidade de Metz. Esse religioso relacionava o espiritismo com a loucura e maldade; divulgava que espíritas agiam sob “influência dos espíritos do inferno”; considerava a não aceitação do dogma da eternidade das penas como uma heresia. Essa obra histórica, de autor embora sob anonimato, para a época demonstra coragem e fidelidade ao espiritismo.2

No capítulo “Fora da caridade não há salvação” de O Evangelho segundo o Espiritismo, Kardec justifica este lema em anteposição aos “fora da Igreja não há salvação” e “fora da verdade não há salvação”, exemplos de discriminação e até de arrogância, defendidas à época, respectivamente, pelas igrejas católica e reformadas. No prazo curtíssimo de apenas um mês após o lançamento de Imitação do Evangelho segundo o Espiritismo, em 1864, essa obra foi incluída no Index librorum prohibitorum, a lista de publicações proibidas pela Igreja Católica. Esse foi o contexto vivido por Kardec por ocasião da redação das Obras Básicas.

Por outro lado, essas perseguições religiosas movidas contra lideranças e instituições espíritas prosseguiram principalmente nas primeiras décadas do Século XX em vários países da Europa e da América Latina, notadamente durante a vigência de regimes políticos autocráticos.

Em nosso país, há registros sobre os processos contra os pioneiros Eurípedes Barsanulfo, em Sacramento (MG); Cairbar Schutel em Matão (SP) e entre os fatos muito divulgados pela mídia em geral, há o caso de José Arigó nas décadas de 1950 e 1960.

[…] Embora tenham ocorrido transformações na legislação e no entendimento interno das religiões, favorecendo esforços de respeito e de ações e diálogos interreligiosos, ainda surgem focos de incompreensões e discriminações, até com atos de violência chegando à depredação de templos, por parte de alguns segmentos vinculados a práticas religiosas.

Outro aspecto de nossos dias, é a preocupante vinculação que se estabelece entre religiões e política partidária. Isso, contrariando preceitos constitucionais de um Estado laico. O amadurecimento da cidadania e o aprimoramento da compreensão de religiosidade são indispensáveis para se superar os impasses motivados por diferentes formas de pensamento e de ação relacionados com as religiões e para favorecer o respeito entre as pessoas e suas crenças.

Esse processo de educação da sociedade é que criará condições para se colocar em prática observações do próprio Codificador e de espíritos. Relacionamos sinteticamente alguns desses registros. Em marcante e último discurso público, Allan Kardec responde à dúvida: "Qual é, pois, o laço que deve existir entre os espíritas? Eles não estão unidos entre si por nenhum contrato material, por nenhuma prática obrigatória. […] É um sentimento todo moral, todo espiritual, todo humanitário: o da caridade para com todos ou, em outras palavras: o amor do próximo, que compreende os vivos e os mortos, pois sabemos que os mortos sempre fazem parte da Humanidade. […] O laço estabelecido por uma religião, seja qual for o seu objetivo, é, pois, essencialmente moral, que liga os corações, que identifica os pensamentos, as aspirações, e não somente o fato de compromissos materiais, que se rompem à vontade […] O efeito desse laço moral é o de estabelecer entre os que ele une, como consequência da comunhão de vistas e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas.”3

Na obra Emmanuel, esse autor espiritual enumera obstáculos que dificultam melhor desiderato, como “o preconceito acadêmico e o utilitarismo desenfreado que infesta a política e a religião; é ele o maior inimigo da expansão das verdades espiritualistas no mundo, porque oriundo de interesses inferiores e mesquinhos”.4

As perseguições e intolerâncias religiosas de ontem e de hoje devem merecer continuados estudos, observações e reflexões para se criar ideias e estímulos para efetivação de laços fraternais e solidários no seio da população.

Referências:

1) Notícias bibliográficas. Sermões sobre o Espiritismo. Revista espírita. Setembro de 1863. Trad. Abreu Filho, Júlio. São Paulo: EDICEL. 1976.

2) Prefácio. Sermões sobre o Espiritismo pregados na catedral de Metz refutados por um espírita de Metz. Prefácio de Antonio Cesar Perri de Cavalho, da tradução em português da publicação em forma digital por Autores Espíritas Clássicos. 2017: https://universu.blogspot.com/2017/12/sermoes-sobre-o-espiritismo.html

3) Kardec, Allan. Trad. Noleto, Evandro Bezerra. O Espiritismo é uma religião? Revista Espírita. Dezembro de 1868. Ano XII. FEB. 2005.

4) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Emmanuel. Cap. XIII. Brasília: FEB. 2013.

(*) Síntese de artigo do autor publicado em: Revista Internacional de Espiritismo. Ano XCIX. N.9. Outubro de 2024.

Kardec, o bom senso encarnado

Kardec, o bom senso encarnado

Marco Milani (*)

Tradicionalmente, no dia 3 de outubro, os espíritas destacam a relevância e o legado do Professor Rivail, posteriormente conhecido como Allan Kardec, lembrando o seu nascimento nessa data, em Lyon, França. Educador, filósofo e cientista, Kardec deve ser homenageado pelo protagonismo na estruturação e divulgação do Espiritismo, com suas valiosíssimas contribuições à compreensão das questões que sempre intrigaram a humanidade: quem somos, de onde viemos e para onde iremos.

A Doutrina Espírita, apesar de não ser o produto de um só homem, expressa a síntese do conhecimento obtido no intercâmbio mediúnico, criteriosamente analisado, organizado e validado por Kardec. Sua disciplina, sensatez, postura ética e capacidade administrativa diante das inúmeras atividades sob sua responsabilidade, e os desafios decorrentes do embate entre as novas abordagens trazidas pelo Espiritismo e as ideias cristalizadas, geraram a admiração e o respeito não somente daqueles que compartilharam de sua proximidade, mas da sociedade em geral. Após sua desencarnação, algumas características marcantes de Kardec foram evidenciadas nos discursos proferidos durante seu funeral1.

Jules Levent, vice-presidente da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas (SPEE), comentou sobre a benevolência e austeridade do mestre lionês, enfatizando sua ponderação e lógica incomparável, que pareciam ser inspiradas. O renomado astrônomo Camille Flammarion pontuou aspectos relevantes sobre a trajetória de pesquisa do Professor Rivail, até que ele se dedicou integralmente ao estudo e divulgação do Espiritismo a milhões de pessoas em diversos continentes. Flammarion enalteceu o poder consolador e a proposta científica do Espiritismo. Por conta da razão reta e judiciosa de Kardec, Flammarion o designou como o “bom senso encarnado”. Alexandre Delanne, amigo pessoal e membro da SPEE, expressou o sentimento de pesar que ele compartilhava com inúmeros adeptos que tiveram a oportunidade de conhecer a filosofia dos Espíritos, graças à habilidade e sabedoria do mestre, que conseguiu colocá-la à altura de todas as inteligências, desde as mais simples até as mais eruditas. Por fim, o senhor Muller, amigo de Kardec e de sua esposa Amélie, enalteceu a conduta do dedicado educador, detentor de brilhante inteligência, que sempre procurou auxiliar a todos, inclusive com aulas gratuitas sobre diversas disciplinas para aqueles que não tinham condições financeiras.

Com relação ao Espiritismo, o senhor Muller apontou que Kardec vivenciava completamente a tríade: Razão, Trabalho e Solidariedade. Todos os elogiosos discursos tinham como pontos comuns a benevolência, a ética e a acuidade intelectual, reconhecidos pela comunidade espírita e científica da época como características desse nobre Espírito que acabava de deixar a experiência carnal. A capacidade de Kardec para pensar de forma clara, precisa e crítica envolvia uma percepção aguçada e a habilidade de discernir detalhes complexos, de identificar nuances em argumentos e processar informações de maneira lógica e coerente, algo que ele simplificadamente chamava de bom senso, mas que Flammarion capturou adequadamente em seu discurso póstumo.

Ao analisar situações, problemas ou conceitos com profundidade, reconhecendo padrões, implicações e possíveis soluções que outros podem não perceber, Kardec demonstrava a tolerância e paciência para comunicar-se e esclarecer fraternalmente como um verdadeiro educador e líder.

Nos trabalhos iniciais para a elaboração da doutrina espírita, fazia-se necessária a centralização do processo em um só homem encarnado, como relata Kardec em suas anotações particulares2, a fim de manter a unidade e evitar o desvirtuamento conceitual diante de diferentes opiniões e motivações. Contudo, como elemento fundamental para a interpretação e aprimoramento do edifício doutrinário, alinhado com a própria realidade, Kardec insistiu no uso da razão e da lógica para unir a todos e superar divergências em nome do bom senso. Não por acaso, os conceitos de fé inabalável e de fé raciocinada perpassam todas as obras fundamentais do Espiritismo, uma vez que a proposta doutrinária exige a interpretação crítica dos fatos para se contrapor à superstição e ao misticismo inerentes a diversas correntes religiosas estabelecidas com seus dogmas inquestionáveis.

O Espiritismo representa uma ruptura com o pensamento acrítico e devocional religioso, e com as crendices populares, situação que exige maturidade moral e intelectual para ser compreendida por adeptos e não-adeptos. A adoção do Controle Universal do Ensino dos Espíritos (CUEE), como método prevalente para validar as informações mediúnicas, representou um marco crucial ao corpo teórico espírita e exemplificou a prudência inerente à fé raciocinada. A autoridade do Espiritismo repousa essencialmente na aplicação desse método.3

Passados quase dois séculos após a publicação de sua obra inicial, o Espiritismo ainda é um grande desconhecido para aqueles que não meditaram adequadamente no ensino dos Espíritos, validados pelo CUEE, e o aplicaram em suas vidas.

Possivelmente, a maneira mais efetiva de se homenagear Kardec não é pela simples apresentação de seus dados biográficos ou contando curiosidades históricas de sua vida privada, mas estudando seriamente a doutrina espírita, autoconhecendo-se, praticando a caridade e analisando criticamente qualquer informação envolvendo a natureza e a realidade espiritual com o bom senso que ele tanto prezou e se esforçou para que todos utilizassem.

Notas:

1) Ver Revista Espírita, maio/1869 – Discursos pronunciados sobre o túmulo.

2) Ver Obras póstumas, 2ª parte – Minha iniciação no Espiritismo – O meu sucessor.

3) Ver O evangelho segundo o espiritismo – Introdução – item II – Autoridade da doutrina espírita.

(*) Artigo extraído de Dirigente Espírita. edição de setembro-outubro de 2024 (copie e cole): https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2024/09/reDE-202-Set-Out-2024.pdf

As casas espíritas não se envolvem em política partidária

As casas espíritas não se envolvem em política partidária

Wilson Garcia – Publicado no jornal Dirigente Espírita, setembro/outubro de 1990.

É, pois, necessária a união da inteligência e da moralidade para haver legítima preponderância, a que a massa se submeterá, confiada em suas luzes. Esta será a última aristocracia, sinal do advento do reino do bem na terra. Esta previsão é de Allan Kardec e está contida em Obras póstumas.

Apesar de haver mais de um século que foi feita, pode-se notar que a oportunidade do brasileiro ser dirigido por uma aristocracia intelecto-moral, resultado da união da inteligência com a moralidade, como o quis o Codificador, está ainda bastante distante.

Desejar estar sob a direção de homens inteligentes e moralizados é ainda um sonho nos nossos dias.

No entanto, as eleições estão aí. A cada dois anos os cidadãos deste País se encontram diante da oportunidade de votar e renovar, manter, modificar, fortalecer ou excluir políticos.

E o que tem a ver o espírita com isso? E a casa espírita, como se porta nestes instantes graves? Ambos, diríamos, com naturalidade e participação, guardados os limites de cada um. Para que serve o cidadão espírita, se não for para participar ativamente da sociedade e ajudar a transformá-la para melhor? Ora, o espiritismo não cria parasitas, homens inertes, para que portem alheios ao que se passa em seu redor. Pelo contrário, a Doutrina Espírita os quer participativos, integrados ao meio, agentes do bem social. Assim sendo, sua ação neste momento em que o povo deve ir às urnas é tão necessária quanto a de qualquer outro cidadão. O que se espera de um cidadão espírita é um comportamento diferenciado, onde prepondere a inteligência e a moral, seja ele um cidadão comum seja um candidato a cargo público. No momento do voto, pela inteligência saberá discernir entre os enganadores e interesseiros e os políticos sérios, bem intencionados e corajosos o bastante para pôr em prática seus projetos.

Se candidato, seu comportamento será o de um homem que conhece seus limites, que não faz promessas vãs, impossíveis. Mas, que, conhecendo a realidade social e sem interesses outros; que não sejam trabalhar para o povo, se coloca à disposição para ocupar os cargos a que se candidata.

A presença da casa espírita neste contexto é, de certa forma, um pouco diferente. Os seus horizontes lhe indicam que deve participar, de um lado, e ter cautela, de outro. Participar através de orientação clara, segura, aos seus frequentadores, de modo a oferecer-lhes condições de raciocinar sobre as questões políticas e poder decidir. Não se trata de mandar votar neste ou naquele, isto é óbvio, mas de ensinar a usar a razão para votar bem e certo, de acordo com a consciência. A cautela advém de determinados “perigos”. E dois deles se apresentam como os mais próximos: o uso da casa; espírita como palanque e o engajamento político-partidário. Ambos inadmissíveis. Mas que não se confundam as coisas. Cautela não é proibição pura e simples da abordagem de assuntos políticos, mesmo porque quando a proibição impera, impera também a irresponsabilidade, a fuga do compromisso de orientar e bem o frequentador. Cautela é uma ação equilibrada que impede o estabelecimento de compromissos inconvenientes.

Muitos políticos e até falsos espíritas vão atrás das casas espíritas para obter seu apoio, muitas vezes em troca de favores, com a promessa de conseguir terrenos, prédios públicos e outros. A única coisa que exigem é que a casa lhes abra as portas para que eles exponham aos frequentadores o seu pensamento. Em primeiro lugar, ninguém pode garantir o cumprimento dessas promessas de campanha; em segundo lugar, tal atitude é totalmente imoral. Dar guarida a este tipo de candidato é contribuir para a manutenção do status quo, da política de interesses particulares, em detrimento da vinda da aristocracia intelecto-moral preconizada por Kardec.

Por outro lado, há que separar a participação de certos dirigentes, que, tendo em vista sua presença – muito justa – em determinados partidos políticos, muitas vezes confundem as coisas e querem transformar o seu centro espírita numa extensão do partido. Nem uma coisa nem outra pode acontecer, ou seja, nem o partido político pode ser transformado em centro espírita nem o centro em partido. Cada um tem sua função. Cada cidadão espírita tem o direito de agir socialmente da forma como lhe convier e de se filiar ao partido do seu interesse. Caso queira e isto é até aconselhável quando possui vocação – pode se candidatar aos cargos públicos. Mesmo porque, se souber se comportar como ensina o espiritismo, muito terá para ajudar a melhorar as nossas instituições políticas. Só não pode e não deve é usar o movimento espírita para alcançar objetivos políticos.

A ação política séria não acena com favores. Em sã consciência, ninguém vota em determinado político na esperança de obter dele favores pessoais. Esse tipo de política só interessa aos grupos dominadores, que não se importam com as condições miseráveis em que vive o nosso povo. Expressa, quando acontece, o egoísmo particular. É condenável em nível de pensamento espírita. A união de casas espíritas com partidos políticos traz graves desvios. Em primeiro lugar, para levar para dentro da casa a discussão em torno de interesses políticos, com a intenção de alguns de dominar o voto de outros. Isto gera a eliminação da liberdade de opção que cada pessoa possui. A tendência será de criação de um clima de confusão totalmente prejudicial aos desígnios maiores da casa.

Por isto mesmo a casa espírita é apartidária. A política ali pode sevir de estudo como tema amplo, geral, sem entrar no mérito dos interesses classistas, de grupos como meio de forçar a que todos tenham visão única das coisas. Como a política faz parte da vida do cidadão e da sociedade, consequentemente, dever ser preocupação de tantos quantos se dedicam a criar a sociedade justa e de paz. E entre eles se encontra a casa espírita.

A questão, portanto, parece clara. Espiritismo e política partidária são coisas que não se misturam. Espiritismo e política, esta no seu sentido amplo, são temas que se tocam e influenciam. É bom pensar.

Transcrito de: Dirigente Espírita. USE-SP. Setembro-Outubro de 2024. Acesse pelo link (copie e cole): https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2024/09/reDE-202-Set-Out-2024.pdf