Guerra, paz e não-violência

Guerra, paz e não-violência

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Um lembrete rápido sobre pensamentos de Tolstoi.

Nos momentos tormentosos da atualidade, veio à nossa mente a figura de marcante líder carismático e literato russo.

Léon Tolstoi (1828-1910) é um dos maiores escritores da Rússia. Um de seus clássicos é o romance “Guerra e paz”, onde descreve a campanha de Napoleão Bonaparte na invasão da Rússia ao mesmo tempo em que monta o enredo dos amores e aventuras de alguns personagens.

Tolstoi registrou a histórica invasão de Napoleão à Rússia, mas no final de sua existência tornou-se um defensor do respeito ao próximo e da paz.

Sua vida foi marcada por muitos protagonismos políticos e religiosos. Tolstói passou as últimas horas de sua vida pregando o amor e a não-violência.

Em seu último romance “Ressurreição”, defende idéias ligadas à justiça social.

Passam-se os anos e ele escreve “do lado de lá”, utilizando a mediunidade de Yvonne do Amaral Pereira e acrescenta uma nova visão: “Ressurreição e vida”. O autor espiritual desenvolve seis contos e dois mini-romances ambientados na Rússia do tempo dos czares. (*)

O espírito Tolstoi relata o encontro com um luminar do cristianismo e a aceitação de seus ensinos:

“Foi esse um dos mestres que encontrei aquém do túmulo. Seus ensinamentos, os exemplos de ternura em favor do próximo, que me deu, revigoraram minhas forças. Sob seus conselhos amorosos orientei-me, dispondo-me a realizações conciliadoras da consciência. E se tu, meu amigo, desejas encontrar aquele reino de Deus de que Jesus dá notícias, ama os desgraçados! Cada lágrima que enxugares em seus olhos, cada conselho bom que dispensares ao pobre desarvorado da vida é mais um passo que darás em direção a esse reino que, finalmente, encontrarás dentro do teu próprio coração, que assim aprendeu o cumprimento da suprema Lei: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo…” (**)

A obra clássica de Tolstoi e os episódios lamentáveis que assistimos na atualidade nos remetem à questão 742 de “O livro dos espíritos”, onde Allan Kardec apresenta a visão da Espiritualidade sobre as guerras:

“P – Que é o que impele o homem à guerra?

R – Predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual e transbordamento das paixões. No estado de barbaria, os povos um só direito conhecem — o do mais forte. Por isso é que, para tais povos, o de guerra é um estado normal. À medida que o homem progride, menos frequente se torna a guerra, porque ele lhe evita as causas, fazendo-a com humanidade, quando a sente necessária.”

Sem dúvida, são temas para profundas reflexões em nossos dias.

(*) Pereira, Yvonne Amaral. Pelo espírito Léon Tolstoi. Ressurreição e vida. Cap. Conclusão. Brasília: FEB. 1963.

(**) Referência a Mateus 22, 37-39.

A partida de Galves – o amigo de Chico Xavier

A partida de Galves – o amigo de Chico Xavier

        

       

Antonio Cesar Perri de Carvalho (1)

No início da noite do dia 16/02/2022, desencarnou em São Paulo, Francisco Galves, aos 96 anos de idade(2). Era casado há 68 anos com a sra. Nena Galves e têm os filhos Roseli e José Francisco, netos e bisnetos.

Conhecemos o casal Galves, há muitas décadas em função de visitas e contatos com Chico Xavier.

O casal Galves foi amicíssimo de Chico Xavier e seu hospedeiro nas constantes viagens que o médium fazia a São Paulo. Há muitos episódios históricos nos contatos que fizeram com Chico em Uberaba e nos momentos em que o recebia no lar paulistano. Em vários livros há relatos sobre fatos acontecidos no lar dos Galves, inclusive quando Chico se preparava para o “Pinga-Fogo” em julho de 1971. Nena Galves registra fatos históricos em seus livros, que reproduzimos em obras nossas sobre Chico e sobre Emmanuel.

Os Galves estiveram ligados ao Grupo Espírita Batuíra, fundado por Spartaco Ghilardi, também muito amigo de Chico Xavier.

Com orientação e apoio de Chico Xavier, os Galves fundaram o Centro Espírita União, no bairro Jabaquara, em São Paulo. Em 05/04/1967 foi inaugurada a sede do Centro Espírita União. A escolha do nome também foi sugestão de Dr. Bezerra. Além das atividades doutrinárias e assistenciais, houve a criação de uma livraria que divulgava os livros espíritas e valorizava o estudo do Espiritismo, Chico Xavier, empenhado neste trabalho de divulgação da Doutrina, incentivou a criação de uma nova editora espírita. Sentindo a motivação de Francisco Galves neste trabalho, o presenteia com um de seus livros psicografados – Amigo, com mensagens de Emmanuel. Assim nasceu a Editora Cultura Espírita União (CEU) editando seu primeiro livro. Muitas edições de livros psicografados por Chico se sucederam. Com a doação de um imóvel à avenida Rangel Pestana, nº 233, próximo à estação Sé do metrô de São Paulo, o Centro Espírita União inaugura a Livraria Cultura Espírita União.

Chico Xavier compareceu durante muitos anos em eventos públicos no mês de outubro na sede do Centro Espírita União. Inclusive, residindo em São Paulo e como presidente da USE-SP, lá estivemos para os agradáveis encontros com o médium.

A cidade de São Paulo que contou com continuadas visitas de Chico Xavier dispõe de um museu funcionando no interior do Centro Espírita União. O casal reuniu pertences, homenagens e fotos de Chico Xavier amealhados durante os eventos que ele participou na cidade e no próprio Centro e comparecemos na inauguração aos 08/12/2014 na condição de presidente da FEB, juntamente com a presidente da USE-SP Júlia Nezu e Pedro Nakano (do CCDPE).

No período em que estivemos ligados à Federação Espírita Brasileira, mantivemos contatos com os Galves. No programa do 3º Congresso Espírita Brasileiro, alusivo ao Centenário de Chico Xavier, em 2010, tendo como tema central “Chico Xavier: Mediunidade e Caridade com Jesus e Kardec”, Nena Galves foi uma das expositoras, sempre acompanhada de Francisco. O casal também esteve presente na pré-estreia do filme “E a vida continua…”, em São Paulo, em agosto de 2012, quando já respondíamos pela presidência da FEB. No ano de 2014, na condição de presidente da FEB, juntamente com a esposa Célia, estivemos em São Paulo a convite, para lançamento de livro nosso sobre o estudo de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, e a livraria do CEU foi o local para os autógrafos, contando com a fraterna acolhida do casal Galves e de representantes da USE-SP. No mesmo período foi assinado convênio de edições conjuntas CEU/FEB e a primeira publicação nessa fase – Fé e vida (Espíritos diversos, FCX) -, veio a lume em outubro de 2014.

Mesmo nos anos em que residimos em Brasília, éramos sempre convidados para palestras no Centro Espírita União.

No nosso retorno de residência em São Paulo estivemos muitas vezes em palestras no Centro Espírita União até o início da pandemia. Em 2019, lá estivemos com nossa esposa Célia e essa foi a última foto com Galves, por ocasião de lançamento de nosso livro sobre Chico Xavier.

No dia 16 de fevereiro, pela manhã, coincidentemente, divulgamos um artigo em que citamos o casal Galves, sobre a amizade de Chico Xavier com a modernista Tarsila do Amaral.

Francisco Galves sempre sereno e ativo foi um notável fiel empreendedor na seara espírita deixando para a capital paulista e para o país marcantes contribuições notadamente ligadas a Francisco Cândido Xavier.

Nossas homenagens a ele nesse retorno à Pátria Espiritual e o abraço fraterno aos familiares e aos companheiros do Centro Espírita União.

Fontes (copie e cole o link):

Sobre o CEU: https://www.centroespiritauniao.com.br/historia-do-centro-espirita-uniao/

Artigo sobre Tarsila: http://grupochicoxavier.com.br/chico-xavier-valorizado-pelos-modernistas-tarsila-do-amaral-e-menotti-del-picchia/

(1) Foi presidente da USE-SP e da FEB.

(2) Juntamente com a esposa Célia e Ismael Gobbo, comparecemos ao velório em São Paulo.

Chico Xavier valorizado pelos modernistas Tarsila do Amaral e Menotti Del Picchia

Chico Xavier valorizado pelos modernistas Tarsila do Amaral e Menotti Del Picchia

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Nesses dias comemora-se o Centenário da Semana de Arte Moderna, evento artístico e cultural que ocorreu no Teatro Municipal de São Paulo, entre os dias 13 a 18 de fevereiro de 1922. A proposta era apresentar uma nova estética artística para todos os campos das artes, com apresentações de dança, música, recital de poesias, exposição de obras de arte, como pinturas e esculturas, e palestras. Foi apoiado pelo governador do Estado de São Paulo Washington Luís (depois presidente da República).

O evento centenário marcou o início do modernismo no país e se tornou a marcante referência cultural do século XX. Mário de Andrade e Oswald de Andrade foram importantes lideranças desse movimento histórico, contando com presença de intelectuais e artistas como Anita Malfatti, Graça Aranha, Victor Brecheret, Plínio Salgado, Menotti Del Picchia, Guilherme de Almeida.

A propósito do evento centenário destacamos um episódio interessante que veio a ocorrer anos depois com a aproximação da pintora Tarsila do Amaral com Chico Xavier. Tarsila do Amaral, um dos marcos do modernismo brasileiro, não participou da Semana de Arte Moderna porque se encontrava em Paris. Mas logo depois integrou-se ao grupo de artistas e inclusive esteve casada durante uns três anos com Oswald de Andrade.

Tarsila de Aguiar do Amaral (Capivari, SP, 1886 – São Paulo, 1973) foi membro do “Grupo dos Cinco”, destacados artistas brasileiros: Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Menotti del Picchia, Mário de Andrade e Oswald de Andrade. Segundo Mário de Andrade, ela foi a “primeira que conseguiu realizar uma obra de realidade nacional”. Entre as telas famosas da pintora, destaca-se “Abaporu”, de 1928.

Já idosa, passando por grandes reveses na saúde e com a desencarnação da filha única e da neta, Tarsila, desesperada e deprimida, se aproxima do espiritismo e de Chico Xavier. Inclusive, passou a doar parte da venda dos seus quadros aos trabalhos assistenciais que Chico Xavier apoiava em Uberaba. Essa amizade foi registrada pelo casal Nena e Francisco Galves, que eram hospedeiros de Chico Xavier em São Paulo, e são fundadores do Centro Espírita União. Através deles ficou marcado inclusive o respeito e admiração de Chico tinha por Tarsila.

Arnaldo Camargo lembra que no discurso proferido por Francisco Cândido Xavier quando recebeu o título de Cidadão Paulistano em 19/05/1973, no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, “o médium fez referência a Tarsila, que havia prometido estar nessa ocasião mesmo em cadeira de rodas, mas a vontade do Senhor a havia transferido para a Vida Maior”.1 Ela desencarnou quatro meses antes da cerimônia.

Chico Xavier chamou Tarsila de sua benfeitora: “a grande dama católica aceitava sua amizade como espírita e médium, com bondade inesquecível, que orava em cores e produzia telas que hoje são o encanto e riqueza do Brasil e do mundo. Afirmou que ‘dona Tarsila’ se inclinava aos pequeninos da mesma forma que acolhia as personalidades ilustres. […] tanto ela, como eu, acreditava que os gênios do Brasil não estão mortos, que os grandes fundadores da civilização paulista e brasileira estão vivos operando e cooperando em nosso favor, e eles nos auxiliam”.1

Por ocasião do lançamento de nosso livro Chico Xavier. O homem, a obra e as repercussões (2019)2, entre outras cidades, estivemos em Capivari, onde se situa a Editora EME. Na oportunidade, Arnaldo Camargo levou-nos, juntamente com nossa esposa Célia, para visitarmos a Galeria Tarsila do Amaral, espaço cultural de Capivari dedicado à vida e obras da pintora e desenhista capivariana Tarsila do Amaral. Essa Galeria foi inaugurada em 2018 e abriga cerca de 70 obras de arte, que são releituras e reproduções de telas de autoria da Tarsila do Amaral.

Há também registros interessantes sobre o poeta paulistano Menotti Del Picchia (São Paulo, 1892-1988), participante da “Semana de Arte Moderna” e depois membro da Academia Brasileira de Letras (1943). Ele foi um dos primeiros literatos a se manifestarem sobre a obra Parnaso de Além Túmulo (1932), identificando os estilos dos diversos poetas brasileiros e portugueses que escreveram pela psicografia de Chico Xavier.2

Outro fato sobre o poeta modernista Menotti Del Picchia merece ser destacado, pois escreveu o prefácio do livro Sol (1942), de autoria de Almir Rodrigues Bento (1918-1945), jornalista e ativo espírita de nossa terra natal, Araçatuba. No poema “Metempsicose” da obra citada, Almir deixa clara sua crença religiosa.3

Aí estão alguns episódios marcantes relacionando históricos modernistas brasileiros com obras espíritas.

Referência:

1) Camargo, Arnaldo Divo Rodrigues. Chico Xavier, Tarsila e “A caipirinha”. O Semanário, 11/12/2020. Acesso: https://www.jornalosemanario.com.br/chico-xavier-tarsila-e-a-caipirinha/

2) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Chico Xavier – o homem, a obra e as repercussões. Cap. 1.24. São Paulo: USE, Capivari: EME. 2019.

3) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões. Cap. 1.4. Araçatuba: Cocriação. 2021.

Nômades digitais

Nômades digitais

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Há poucos dias escutamos por parte de comentarista de TV a expressão "nômades digitais", ao analisar o desenvolvimento das manifestações e palestras "on line", principalmente com a eclosão da pandemia do Covid-19. Há até livro com esse título.

Na realidade, as atuações em home office, aulas escolares virtuais e as lives em geral, ocorrem independentemente do local em que se encontra o protagonista. E muitas vezes viajando, daí a palavra nômade. A pessoa não está fixa num local.

Realmente já vivíamos a experiência em função das muitas viagens doutrinárias e ao mesmo tempo atendendo a compromissos de lives com outros locais. Eram compromissos presenciais e outros virtuais.

Nesse longo período de distanciamento social para atendermos lives ao vivo e outras gravadas, além da rotina de transmissão do nosso ambiente doméstico, algumas vezes aproveitamos estadia (com devidos cuidados sanitários) em lares de familiares e hotéis.

Como atualmente dispomos de boa tecnologia em computadores, tablets e celulares, e a disponibilidade de redes de Wi-Fi, não há condições tão especiais para transmissões. Esses equipamentos e a internet já facilitam muito. Interessante que a função telefone é a menos utilizada nos celulares…

Essa ideia de nomadismo digital é adequada à realidade que estamos vivendo.

Graças a essas novas possibilidades, pode-se atender às necessidades do movimento espírita na fase em que se prolonga de distanciamento social. É indiscutível o valor do contato físico, mas há indícios de que adentramos em nova fase, com ações fraternas e solidárias concretizadas sem distâncias e barreiras materiais.

É sabido que o pensamento tem vida e é transmitido a distância…1

A sede física deixa de ter a importância e único referencial. Ou seja, há uma certa "desmaterialização", desvinculando-se da obrigatoriedade de condições físicas.1,2

Esse contexto nos remete a considerações sobre a comunhão de pensamentos defendida por Allan Kardec em seu último discurso público.3

O pensamento, as vibrações e as imagens à distância passam a ter variadas expressões e aplicabilidade efetiva.

A propósito lembramos que em obras do espírito André Luiz, desde Nosso lar, há registros de transmissões de palestras e imagens a distância em utilização em colônias espirituais.

Também precisamos relacionar com práticas correntes nos centros espíritas, como por exemplo nas reuniões onde se faz a irradiação ou vibração a encarnados necessitados de consolo e apoio.

Sem dúvida, estamos entrando em uma nova fase para ações dos centros espíritas e para a difusão do pensamento espírita.

Referências:

1) Carvalho, Antonio Cesar Perri. O mundo novo. A Senda. Revista digital da FEEES. Ano 100. N. 213. Janeiro-Fevereiro de 2022. Página eletrônica da FEEES: https://www.feees.org.br/wp-content/uploads/2021/12/revista_jan-fev-1.pdf

2) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Novo ano – expectativas para o movimento espírita. Revista Internacional de Espiritismo. Ano XCVI. N. 12. Janeiro de 2022.

3) Kardec, Allan. Trad. Noleto, Evandro Bezerra. O Espiritismo é uma religião? Revista Espírita. Dezembro de 1868. Ano XII. FEB.

Biografia preciosa e detalhada de Bezerra de Menezes

Biografia preciosa e detalhada de Bezerra de Menezes

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Em meados de dezembro de 2021 uma portentosa pesquisa biográfica, o livro Bezerra de Menezes: o homem, seu tempo e sua missão, de autoria de Luciano Klein, foi lançado pela Federação Espírita do Estado do Ceará (FEEC) e pelo Memorial Bezerra de Menezes (MEBEM). A edição histórica, comemorativa dos 190 anos de nascimento de Bezerra (1831-1900), é enriquecida com centenas de ilustrações e reproduções de documentos, totalizando 1.192 páginas.

Luciano Klein é o atual presidente da Federação Espírita do Estado do Ceará (FEEC); é graduado em História, professor do Colégio Militar de Fortaleza, Sócio Efetivo do Instituto do Ceará – Histórico, Geográfico e Antropológico. Essa detalhada biografia é resultante de quase três décadas de pesquisas, tendo o autor feito o estudo pormenorizado de centenas de fontes, ouvindo pessoas e deslocando-se em viagens.

Em mensagem de Vianna de Carvalho, psicografada por Divaldo Pereira Franco, o espírito comenta: “que os conhecimentos hauridos após sua leitura e reflexão possam servir de roteiro de segurança e de conforto espiritual, apontando o rumo da plenitude a todos nós, que nos encontramos em lutas de recuperação espiritual”. Há também prefácio de Samuel Magalhães; e introdução do próprio autor.

De início, Klein adianta: “Embora ousado, por meio de ideias, projetos e raciocínios, muito além do Brasil Oitocentista, constatamos ter ele sido um homem que amou intensamente seu semelhante, cultivou sonhos pessoais e coletivos, sofreu, lutou na defesa das convicções esposadas e que também, na sua humanidade, cometeu erros, perfeitamente compreensíveis quando observados pela lupa do historiador. […] permite-lhe identificar a personalidade como um verdadeiro ‘Homem de Bem’, um ser humano de singular beleza espiritual…”

Entre tantas preciosidades, destacaremos alguns registros.

Desenvolve-se 17 capítulos com ricas informações e análises sobre o grande vulto, envolvido nas mais diversas frentes de atuação, protagonizando lances que o diferenciavam no século XIX, pelo amor posto em cada atitude, a bem de todos, como médico, político, empresário, pesquisador/cientista, escritor, tradutor e biógrafo.

Naturalmente houve ênfase nos detalhes familiares, ascendentes e descendentes, e locais onde Bezerra nasceu no interior do Ceará, nos vários locais em que viveu, notabilizando-se na Capital do Império. Interessante foi o esclarecimento documentado sobre o título de “Benemérito Médico dos Pobres”. Não foi como se propaga uma homenagem popular, mas um título oficial, usado para distinguir médicos do Rio de Janeiro. Foi outorgado a Bezerra aos 10/08/1868, pela Provedoria dos Socorros Públicos, “pelos serviços prestados à Caixa Municipal de Beneficência, na qualidade de Médico dos Pobres”. Nas atividades profissionais, atuou a maior do tempo como cirurgião e clínico. Mas após ser beneficiado, como também sua esposa, com um tratamento homeopático indicado pelo médium João Gonçalves do Nascimento, Bezerra passou a estudar e depois praticar a Homeopatia.

A notável pesquisa de Klein contribui com subsídios para a compreensão de ações parlamentares nos períodos do Império e início da República. Surgem muitos detalhes das ações públicas, inclusive político-partidárias de Bezerra, como vereador e deputado, até concomitante aos seus encargos espíritas. De permeio há informações sobre amizades históricas como Quintino Bocaiúva, Artur Azevedo e José do Patrocínio. Nota publicada na primeira página do “Diário de Notícias” de 02/09/1889, que tinha Ruy Barbosa como redator-chefe: “Pelo terceiro distrito foi eleito o distinto chefe do Partido Liberal da Corte e província do Rio, e chefe do Espiritismo brasileiro, o sr. Dr. Bezerra de Menezes. O ilustre deputado tem prestado importantes serviços ao seu partido e ninguém merece mais tão elevada posição. Esse moço sacrificou sua grande clientela pela política, entregando-se de corpo e alma ao seu partido, como até há pouco tempo estava entregue ao Espiritismo. […] Na Câmara dos Deputados, além de reformas importantes que o ilustre representante do terceiro Distrito tem a apresentar, em benefício de nosso Município, apresentará também um projeto de lei, que manda adotar, nas escolas públicas, o livro de Allan Kardec, como compêndio de moral e religião”. Bezerra era abolicionista, monarquista parlamentarista e depois aderiu à República. Entre suas propostas, anotamos o projeto para criação de uma “Escola de Farmácia”. Os jornais da Capital sempre focalizaram suas ações políticas, algumas informativas e outras com deboches, inclusive com repetidas charges e caricaturas. Fato histórico foi registrado em litogravura de 1876 que retrata a cerimônia de colocação da pedra fundamental do novo sistema de abastecimento de águas do Rio de Janeiro, em que Bezerra, na condição de presidente da Câmara Municipal, presidindo o ato, tem ao seu lado D.Pedro II, a princesa Isabel e seu marido, o Conde d’Eu.

Nas atividades ligadas ao Espiritismo surgem muitas informações sobre as relações de Bezerra com médiuns e lideranças espíritas das duas últimas décadas do Século XIX e sobre suas atuações em instituições espíritas, inclusive na então novel Federação Espírita Brasileira, da qual foi presidente em duas oportunidades (1889-1890 e 1895-1900) e vice-presidente (1890-1891). Bezerra enfrentou muitas resistências nos seus encargos espíritas.

Assim, também emergem notas biográficas sobre vultos marcantes da época e, inclusive, esclarecendo-se distorções criadas sobre alguns personagens. Bezerra, como presidente do Centro Espírita do Brasil, oficiou o Marechal Deodoro, chefe do Governo Provisório, aos 22/12/1890, “em defesa dos direitos e da liberdade dos espíritas contra alguns artigos do Código Penal Brasileiro de 1890, no conhecido episódio de perseguição aos espíritas”. Klein transcreve trechos do discurso de Bezerra do ano de 1891, em que defende a união dos espíritas.

Em artigo no “Jornal do Brasil”, em outubro de 1895, escreve Bezerra: “[…] Ciência e religião são mais duas asas do Espírito, para ascender às regiões superiores, onde o sábio sem moral não pode ter assento, tanto quanto o santo sem conhecimento das causas – ignorante. É preciso, pois, que trabalhemos por avigorar ambas as asas…”

Um fato marcantemente esclarecedor foi a real identificação do filho alvo de obsessão e tratado por médiuns espíritas, fato motivador para a pesquisa que gerou a obra “A Loucura sob novo Prisma”. Trata-se do filho mais velho Adolfo Júnior e que Bezerra teria alterado a identificação como sendo o filho Antonio “talvez para preservar o primogênito que permanecia sob os cuidados da família” e que desencarnou somente em 1899. O texto original tinha por título “A loucura: à luz da Fisiologia e da Psicologia”, que o biógrafo comenta: “Bezerra, muito provavelmente, aspirava apresentar sua pesquisa”, referindo-se ao Congresso Espírita e Espiritualista Internacional de Paris (setembro de 1900). Esse livro de Bezerra, que muito apreciamos, foi inicialmente editado pelos seus filhos em 1920 já com o título atual, e, posteriormente pela FEB em 1946.

O título de “Kardec Brasileiro” é esclarecido pelo biógrafo ao transcrever artigo do presidente da FEB Leopoldo Cirne, do ano de 1904, com a informação que José Gouvêa de Mendonça em evento da FEB realizado num Clube, a 03/10/1895 proclamou entusiasticamente “o Allan Kardec Brasileiro”. Nos dias do lançamento dessa recente biografia fomos brindados com a oferta da preciosa obra com a dedicatória do autor.

No final do livro com surpresa, encontramo-nos citado entre personagens do movimento espírita da atualidade que fazem “garimpagens convertidas em livros, referentes a biografias ou as aspectos do Espiritismo…”

Luciano Klein conclui sobre seu valioso estudo: “A pesquisa nos credencia a assegurar que o Bezerra de Menezes, analisado e compreendido como um homem de seu tempo, se nos apresenta mais grandioso e admirável quando comparado ao Bezerra de Menezes que o movimento espírita conhece corriqueiramente”.

Encerrando o livro, há manifestação do jornalista Tarcísio Matos, de Fortaleza, considerando a pesquisa um “rastro de luz espalhado por seu biografado”.

A preciosa e detalhada biografia de Bezerra de Menezes merece ser lida, estudada e difundida na seara espírita.

Referência: Klein, Luciano. Bezerra de Menezes. O homem, seu tempo e sua missão. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora. 2021. 1192p. 

Informações:

páginas eletrônicas da Federação Espírita do Estado do Ceará e Amazon; https://feec.org.br/livrobezerra/

(*) Foi presidente da USE-SP e da FEB.

Extraído de:

Revista digital O Consolador. Ano 15 – N° 758 – 06 de Fevereiro de 2022.

Copie e cole: http://www.oconsolador.com.br/ano15/758/especial2.html

É muito bom ser espírita e melhor ainda é praticá-lo

Entrevista

É muito bom ser espírita e melhor ainda é praticá-lo

Joaquim Veloso Filho

As palavras acima são de Joaquim Veloso Filho, que é carinhosamente conhecido e chamado de Quincas. Natural de Unaí (MG), ele reside em Monte Carmelo, no mesmo estado. Técnico em contabilidade aposentado, vincula-se em sua cidade à Associação Espírita Humildade, Amor e Luz, como colaborador. Conheçamos sua ativa história.

Como se tornou espírita?

- A minha família, que era inteiramente católica, tornou-se espírita no ano de 1943, estando eu com menos de 3 anos; significa que fui criado com os ensinos espíritas.

O que mais lhe chama atenção no Espiritismo? Por quê?

- A sua coerência, a sua lógica. Em momento algum o Espiritismo usa de conceitos que venham a derrogar as leis naturais. Até os chamados milagres são esclarecidos de maneira convincente.

Como surgiu a experiência virtual do PAPO COM QUINCAS?

- Quando surgiu a necessidade do distanciamento recomendado pela ciência médica, proibindo reuniões presenciais, surgiram diversas lives espíritas e eu me encantei com elas. Conversando com alguns amigos, eles me sugeriram que eu usasse a ferramenta facebook, já que na condição de aposentado contaria com o tempo necessário. Uma amiga querida sugeriu o nome “PAPO COM QUINCAS”, que de segunda a sexta-feira apresentamos às dez horas com duração máxima de vinte minutos. Já vamos completar trezentos e sessenta e cinco apresentações sem qualquer interrupção.

Como o leitor pode acessar esses conteúdos?

- Ao vivo por nosso facebook: Quincas Veloso onde fica gravado e também no YouTube: CEPE, do Centro Espírita Paulo e Estêvão, de Ibiá-MG. Só gravação. O amigo está integrado a outro grupo de amigos com fecunda realização.

Comente sobre.

- Juntamente com os amigos Daniel Nascimento e Wellington de Melo realizamos todas as quintas feiras às vinte horas o “PROSA ESPÍRITA”, em que temos a alegria de receber um convidado, para de forma descontraída prosearmos sobre Espiritismo por diversos canais e entre eles a RAE-TV. Com o popular Borginho e o Wellington de Melo uma vez por mês temos o “NAS ENTRELINHAS ESPÍRITAS” pelo canal Coromandel Espírita; todos os domingos às nove horas pelo canal Tupaciguara Espírita temos o programa “E A FAMÍLIA COMO VAI?”, com o Wellington de Melo, quando recebemos um convidado. São momentos interessantes onde aprendemos sobre Espiritismo.

Como vê a vivência Espírita?

- Penso que o movimento espírita precisa rever a sua dinâmica de estudos com menos academicismo, mais integração, pautando pela simplicidade mesmo em seu conteúdo mais profundo; a sabedoria não dispensa a singeleza; é necessário colocar o cristianismo em nossos corações, pois somente ao nos sensibilizarmos profundamente com os exemplos cristãos é que vamos entender a função de ser o consolador prometido.

E a experiência presencial/ virtual?

- É importante o toque de mão, o abraço, e isso nos faz falta, mas esse momento on-line trouxe os seus benefícios para a divulgação da Doutrina Espírita. Pessoas que jamais iriam a um Centro Espírita participam ativamente de todos os acontecimentos pela internet. Pessoalmente pude eu angariar vários amigos pelo Brasil imenso. Entendo que mesmo voltando as reuniões presenciais as palestras precisam ser transmitidas pelos canais competentes.

De suas lembranças com o Espiritismo, o que mais marcou?

- Eu estava com dezesseis anos de idade quando veio à nossa Monte Carmelo em visita fraterna o médium Chico Xavier na companhia do Dr. Waldo Vieira, mas o maior encantamento foi vê-lo chegar à casa de meus pais para almoçar conosco; foi um momento único; olha e eu ainda fiquei curioso para ver se ele comia carne. Isso se deu no ano de 1956.

Algo mais que gostaria de acrescentar?

- Eu digo para você, minha cara amiga, meu caro amigo: “É muito bom ser espírita, melhor ainda é praticá-lo.”

Suas palavras finais.

- Eu repito sempre: é tão bom ter que agradecer; com alegria eu lhe agradeço, caro amigo Orson Peter Carrara, por sua amizade e por seu carinho para comigo.

Extraído de:

Revista digital O Consolador, Ano 15, N° 756, 23 de Janeiro de 2022. Copie e cole: http://www.oconsolador.com.br/ano15/756/entrevista.html

São Paulo – origem da cidade e marco educacional

São Paulo – origem da cidade e marco educacional

    

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Dia 25 de janeiro assinala os 468 anos da fundação da cidade de São Paulo.

Os episódios da origem da grande metrópole têm ligações com vultos que são conhecidos na literatura espírita.

Destacamos o espírito Emmanuel, que na sua trajetória espiritual, esteve reencarnado como o jesuíta Manuel da Nóbrega.

Essa informação já havia sido divulgada por Chico Xavier e consta do livro Amor e sabedoria de Emmanuel, de Clóvis Tavares, editado em São Paulo no ano 1970. No 2o Pinga Fogo, marcante programa da TV Tupi de São Paulo, em dezembro de 1971, Chico Xavier em resposta a Almyr Guimarães confirma e declara: “Aceito plenamente, convictamente a revelação dele mesmo, de que ele foi o padre Manuel da Nóbrega, companheiro do grande Anchieta”. Na cerimônia pública e televisada da Câmara Municipal de São Paulo, no dia 19/5/1973, em que recebeu o título de “Cidadão Paulistano”, Chico Xavier evocou essas informações espirituais.1

A atual maior metrópole do Hemisfério Sul e o Estado homenageiam o Apóstolo Paulo, por proposta de Manuel da Nóbrega!

Em registros históricos de conhecimento público sabe-se que Nóbrega, que atuava em São Vicente, subiu o Planalto de Piratininga e resolveu fundar uma escola, escolhendo o dia 25 de janeiro de 1554, data comemorativa da conversão do apóstolo Paulo. Assim, surgiu a cidade de São Paulo, significativamente a partir de uma escola e homenageando a apóstolo da gentilidade.

O jesuíta Nóbrega instalou no Brasil a primeira proposta de educação, integrando o grupo que fundou a cidade de Salvador; na já citada fundação da cidade de São Paulo, e, posteriormente também presente na origem da cidade do Rio de Janeiro. Sua missão envolvia o Direito e a Teologia Moral. Nóbrega teve muito trabalho junto aos portugueses que vinham para a Colônia sem suas famílias e muitos até na condição de exilados e com as aproximações e catequese em aldeias indígenas. Foi autor do primeiro livro redigido na Colônia, Cartas do Brasil, registrando suas experiências educacionais entre 1549 e 1560.1

A amiga e anfitriã de Chico Xavier em São Paulo, Nena Galves – que juntamente com seu marido fundaram o Centro Espírita União em 1967, atendendo a orientação e apoio de Chico Xavier -, sempre relata que o médium tinha um grande amor pela cidade de São Paulo. Às vezes pedia para dar uma volta pela cidade e até de carro, tarde da noite, e, inclusive, esteve várias vezes no Pátio do Colégio, local onde a cidade foi fundada.

Em Sessão Solene da Câmara de Vereadores de São Paulo realizada no dia 17 de maio de 2004, recebemos a “Medalha Anchieta e Diploma de Gratidão da Cidade de São Paulo”. Na oportunidade fomos saudados pelo vereador Rubens Calvo e em nosso discurso enaltecemos Anchieta, notável vulto dedicado à educação e atendimentos a carentes e que chegou à Colônia do Brasil como noviço do padre Manuel da Nóbrega. Naquele momento homenageamos também Nóbrega, como fundador de São Paulo, e lembramos que ele sempre vinha à nossa memória nos tempos em que atuávamos junto à Reitoria da Universidade Estadual Paulista, na época localizada próxima ao histórico Pátio do Colégio.2

Sempre que possível conduzimos parentes e amigos para conhecerem o museu que funciona no Pátio do Colégio, no centro de São Paulo.

Referências:

1) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Emmanuel. Trajetória espiritual e atuação com Chico Xavier. Cap.17. Matão; O Clarim. 2020.

2) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Pelos caminhos da vida. Memórias e reflexões. Cap. 3.8. Araçatuba: Cocriação. 2021.

“Culpa” da culpa (teológica), ponderando a inutilidade da culpa

“Culpa” da culpa (teológica), ponderando a inutilidade da culpa

Jorge Hessen

A culpa e o alerta da consciência são temas que merecem profundas reflexões.

É importante dizer que o “alerta ou conflito da consciência” ainda não é a instalação da culpa, porém um convite à contrição diante dos erros. Tal compressão consciencial é indispensável para a harmonização do desajuste psicológico, consequente da culpa. A consciência é o divino em nossa realidade existencial; nela estão escritas as Leis do Criador. A culpa resulta da não auscultação do “alerta da consciência”, portanto é patológica e gera profundo abalo psicológico autopunitivo.

Detalhe: é impossível inexistir o alerta consciencial no psiquismo humano. Podemos fingir não ouvir a “voz da consciência”, e, apesar disso, ela sempre nos alertará, exceto nos casos extremos de psicopatologias em que o doente mental não sente um mínimo de arrependimento ou sentimento de culpa.

O alerta consciencial sinaliza as transgressões ao código moral de lei da consciência. À vista disso, tomamos ciência e nos arrependemos do erro, buscando repará-lo. Por outro lado, a culpa é um processo patológico em que ficamos cultuando o erro sob o movimento psicológico de autojulgamento, autocondenação e autopunição.

Impulso autopunitivo

O comportamento autopunitivo causa gravíssimas doenças emocionais, notadamente a depressão. Atualmente a depressão é um colossal drama humano. “Eu não mereço ser feliz”, “eu não nasci para ser amado”, “ninguém gosta de mim” etc. Aqui se manifesta um comportamento autopunitivo de complicado tratamento psicológico e espiritual. Neste caso a “culpa” está punindo e aprisionando. O culpado está acomodado na queixa e na lamentação (pela “culpa”). Mais amadurecido psicologicamente poderia avançar pelo caminho do autoperdão e capacitaria abrir mais o coração para a vida.

Nas patologias depressivas, muitas vezes há muito ódio guardado no coração. Muitas vezes oscilamos entre atos que geram a artimanha do “desculpismo” e ações que determinam a “culpa”. Dependendo de como lidamos com tais desafios, a “culpa” permanece mais forte, produzindo situações que embaraçam o estado psíquico e emocional, razão pela qual não nos podemos exigir perfeição, inobstante, devemos fazer esforços contínuos de autoaperfeiçoamento, afastando-nos do “desculpismo”, que nada mais é do que uma porta de escape para a fuga das próprias obrigações.

A percepção da “culpa” tem sido objeto de investigações e influências no amplo debate temático da Doutrina dos Espíritos e das ciências psíquicas. Sabe-se que são intermináveis e graves as consequências da conservação da “culpa” em nossa vida, podendo alcançar indescritíveis destroços emocionais, psicológicos, comportamentais e morais.

A famosa “culpa” se consubstancia numa sensação de angústia adquirida após reavaliação de um ato tido como reprovável por nós mesmos, ou seja, quando transgredimos as normas da nossa consciência moral.

Distintivos da culpa

Das diversas características da culpa há aquela advinda da volúpia de “prazer” quando alguém não se divertiu como gostaria (de ter-se esbaldado numa “balada”, por exemplo). Após a “farra” esse alguém se sente culpado e se cobra por não ter permanecido mais tempo na festa; por não ter realizado isso e ou aquilo etc. Sob esse estado psicologicamente perturbador surge a culpa como reflexo daquilo que não se fez e almejaria ter feito, resultando o movimento de autopunição.

Sob o ponto de vista religioso, a “culpa” advém da transgressão de algo “proibido” ou de uma norma de fé. A sanção religiosa tange para a reprimenda e condenações punitivas. A sinistra “culpa” religiosa significa um estado psicológico, existencial e subjetivo, que indica a busca de expiação de faltas ante o “sagrado”, como parte da própria autoiluminação como experiência sectária.

Frequentemente a religião trata a “culpa” como um sentimento imprescindível à contrição e à melhoria pessoal do infrator, pois este alcança a mudança apenas se reconhecer como “pecaminoso” o ato cometido.

Essa interpretação religiosa não se compatibiliza com as propostas espíritas, até porque a “culpa” é uma das percepções psíquicas que não se deve nutrir, por ser uma espécie de mal-estar estéril, uma inútil insatisfação íntima. Em verdade, quando nos culpamos tolhemos todo o potencial de nos manifestar com segurança perante a vida.

Todas as recordações negativas paralisam o entusiasmo para as ações no bem, únicas portadoras de esperança para a libertação da culpa. Quando entramos no processo autopunitivo geramos um impulso de distanciamento da realidade da vida e do próprio viver. É um grande desafio transformarmos a experiência desafiadora (dor/“sofrimento”) em experiência de aprendizado. Para isso, importa fazermos o BEM (com maiúsculas) no limite das nossas forças, começando em nós mesmos, permitindo-nos experimentar esse BEM no coração e ao mesmo tempo realizarmos o BEM ao próximo, e assim nos libertamos totalmente do nódulo culposo.

O desculpismo ante o alerta consciencial

A Lei de Causa e Efeito é um dos princípios fundamentais preconizados pela Doutrina Espírita para explicar as vicissitudes ligadas à vida humana. Ante a Lei de causalidade a colheita deriva da semeadura, sem qualquer expressão castradora ou fatalista para reparação. O “alerta de consciência”, por exemplo, bem absorvido, transforma-se em componente responsável. Mas se o ignoramos ruímos no desculpismo e rechaçamos a responsabilização do erro. Em face disso, o desculpismo é uma postura profundamente irresponsável perante nós mesmos.

O negligente (desculpista) pronuncia que “errar é humano”, porém é contraproducente raciocinar assim. É um processo equivocado que ultraja a Lei de Deus. Em verdade, não precisamos nos culpar (exigência) quando erramos, e muito menos nos desculpar (negligência), porém, importa ouvirmos a voz da consciência e aprendermos com os erros a fim de repará-los.

Assistencialismo como cataplasma da culpa

Sobre as diferentes peculiaridades da culpa ainda há aquela sucedida naqueles trabalhadores que avidamente mergulham nos assistencialismos. São confrades de consciência “pesada” que ambicionam consolidar a beneficência, visando, antes, anestesiarem a própria culpa. Na realidade, estão tentando barganhar com Deus, a fim de se livrarem da ansiedade mental.

Decerto isso é uma prática espontânea porém contraproducente. Não obstante, no M.E.B. – Movimento Espírita Brasileiro haja farta frente de serviços assistencialistas. O psiquiatra Alírio Cerqueira, coordenador do Projeto Espiritizar da Federação Espirita do Mato Grosso, alterca que muitos fazem assistencialismos sem real consciência da necessidade social dos desprovidos. Em verdade, laboram “caritativamente” sob as algemas da consciência culposa e arriscam disfarçar para si mesmos o automático exercício de “altruísmo”. Agem subconscientemente quais portadores de ferida muito dolorosa, e em vez de tratá-la para cicatrizar, ficam passando pomada anestésica na ferida (culpa) para abrandar a dor. Agindo assim (no assistencialismo) a culpa momentaneamente é “escondida”, mas não desaparece, pois, passando o efeito do anestésico a culpa retorna e a pessoa mantém o conflito de consciência . Desse modo, vai ampliando cada vez mais os compromissos “filantrópicos”; vai se sobrecarregando nos pactos “caritativos”; porém, a culpa é conservada. Muitos passam a vida inteira nessa atitude de “FAZEÇÃO DE COISAS” sem qualquer objetivo consciencial. Tais “caridosos” com certeza socorrem TEMPORARIAMENTE os necessitados, todavia, provocam para si mesmos , em alto grau, o cansaço mental, o estresse e a saturação psicológica e não conseguem se HARMONIZAREM CONSIGO MESMOS.

Ante a culpa, não são os sadios que necessitam de médicos

Na verdade, o objetivo das leis divinas (sediadas na consciência) é nos proporcionar a pura e eterna felicidade. Em face disso, quando as transgredimos ficamos ansiosos, porque nos afastamos da felicidade, logo, sentimos extrema ansiedade. Em face disso, é importante o exercício do autoperdão que obviamente não extinguirá a responsabilidade dos erros praticados, até porque auto perdoar-se não é simplesmente passar uma borracha em cima do erro, mas fazer uma avaliação equilibrada do desacerto para repará-lo.

No extremo, há pessoas que alimentam tanta culpa, que se sentem indignas de fazer uma prece e ou de fazer o bem. Porém, ajuizemos o seguinte: a prece não é para espíritos puros. Jesus orientou que não são os sadios que necessitam de médicos, mas os doentes. Ora, esperarmos nossa purificação para orar e fazer o bem não faz nenhum sentido, até porque nos aperfeiçoamos gradualmente, orando inicialmente e de maneira especial fazendo bem no limite das nossas forças.

Extraído de:

Revista digital O Consolador. Ano 15 – N° 754 – 9 de Janeiro de 2022:

http://www.oconsolador.com.br/ano15/754/especial.html

Novo ano – expectativas para o movimento espírita

Novo ano – expectativas para o movimento espírita

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

A cada passagem de ano, sempre há expectativas e esperanças que se renovam.

Nesses quase dois anos de isolamento social em função da pandemia, vivemos experiências inusitadas e interessantes, gerando reflexões para o convívio e inclusive para eventuais adequações do movimento espírita.

Graças ao adiantado nível de vacinação e a natural queda de ocorrência de casos graves e de mortes provocados pelo COVID-19, surge a possibilidade do relaxamento das várias medidas sanitárias.

Alguns centros espíritas já iniciaram preparativos para um seguro retorno a atividades presenciais.

[…] A essa altura, o cenário do novo ano não está muito claro. Além de todas as repercussões econômicas, sociais em geral, da longa pandemia dos anos 2020-21, eventualmente poderão ocorrer situações que não eram esperadas. Ou seja, será necessária a atenção continuada aos alertas e às recomendações das autoridades sanitárias sobre a questão de aglomeração de público.

Indubitavelmente, com relação ao movimento espírita, houve um comprometimento justamente pela falta do “movimento” presencial, dos encontros propiciados pelas diversas e tradicionais reuniões e atividades.

Por outro lado, quando os centros espíritas precisaram cerrar suas portas físicas, em geral houve uma rápida adequação para as transmissões pela internet. Surgiram as chamadas “lives”. De forma virtual proliferaram as palestras, seminários, reuniões de vibração e reuniões administrativas.

Essa experiência inesperada para o movimento espírita assegurou a continuidade de esclarecimentos e de apoios morais e espirituais. Trata-se da colocação em prática dos conceitos de transmissão a distância e da comunhão de pensamentos e sentimentos.

Agora, nos últimos meses de 2021, quando alguns centros iniciaram uma reabertura ou a planejaram para 2022 ficou clara a demanda pela continuidade de transmissões pela internet. […] Além de consultas e observações localizadas, essa tendência transparece em recente pesquisa inédita sobre “lives” e vídeos espíritas, realizada por Ivan Franzolim no mês de outubro de 2021, obtendo 1034 respostas de 26 estados e 283 cidades. O objetivo da pesquisa foi conhecer melhor a experiência de utilização dos meios de comunicação “Lives” e Vídeos durante a pandemia, para poder aperfeiçoar o seu uso. Entre os resultados dessa pesquisa destacamos: 63% responderam que os centros espíritas que estão vinculados mantém canais no “You tube”; após a pandemia, a sua frequência ao centro deve: manter a mesma: 50,9 %; aumentar: 20,9 %; diminuir: 17,9%.(1)

Outros aspectos que se evidenciam na atualidade: na comercialização de livros já se nota um aumento pelas aquisições via internet; as contribuições para manutenção das instituições sofrem oscilações.

No tocante a grandes eventos presenciais, como os tradicionais congressos, provavelmente ocorrerão adequações. A experiência de promoção de palestras virtuais com expositores de várias partes do território nacional e até do exterior, sem custos, poderá refletir na maneira de se promover eventos.

Sem dúvida há novos cenários para os próximos tempos!

Parece-nos que as ações relacionadas com a união dos espíritas também poderão caminhar para novos encaminhamentos. Nota-se o surgimento de vários grupos afins nas redes sociais com o objetivo de manter intercâmbio.

[…] Da mesma forma, a caracterização de sedes físicas como referência ou até como condição exclusiva para efetivação de algumas ações pode ter outras alternativas.

É indiscutível o valor do contato físico, mas há indícios que estejamos entrando em nova fase em que as ações fraternas e solidárias poderão ocorrer sem distâncias e barreiras materiais. O entendimento de Allan Kardec, expresso em seu último discurso público, em “finados” de 1868, sobre “o efeito desse laço moral é o de estabelecer entre os que ele une, como consequência da comunhão de vistas e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas" (2), deve merecer nossa atenção e reflexão. O Codificador usa a expressão e valoriza a “comunhão de pensamentos”.

Do ponto de vista espírita, sabemos que o pensamento tem vida e que é transmitido a distância.

[…] Agora, com a diversificação e dinamização dos meios de comunicação, o pensamento verbalizado e concretizado em ações, pode ser transmitido instantaneamente a todas partes do mundo.

Trata-se do dealbar de um mundo novo e que o movimento espírita precisa se adequar para a viabilização da propagação de sua mensagem aproveitando-se dos diferentes cenários e respeitando-se a diversidade de situações.

Referências:

1) Franzolim, Ivan. Resultados da Pesquisa Lives e Vídeos Espíritas 2021. Acesso em 24/11/2021: http://franzolim.blogspot.com/2021/11/resultados-da-pesquisa-lives-e-videos.html

2) Kardec, Allan. O Espiritismo é uma religião? Revista Espírita. Dezembro de 1868. Trad. Noleto, Evandro Bezerra. Ano XII. FEB.

(*) O autor foi presidente da FEB, da USE-SP e membro da Comissão Executiva do CEI.

De:

Síntese de artigo do autor, publicada em: Revista Internacional de Espiritismo. Ano XCVI. N. 12. Janeiro de 2022. P.612-613.

Esperanças de um bom ano

Esperanças de um bom ano

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Em artigo inaugural de 2022, comentamos sobre o fato historicamente reconhecido: “As expectativas para o futuro e para um novo ano sempre motivaram o homem”.(1)

No texto analisamos os contextos vividos no mundo atual e no movimento espírita e destacamos a responsabilidade de todos no uso do livre-arbítrio, como seres espirituais reencarnados.

Entre inúmeros contrastes e impactos lembramos: “Num “mundo conturbado”, há vislumbres de situações novas e de adequações para próximos tempos! Deve haver esforço para a disseminação do roteiro preconizado pelo Cristo, a começar pelo empenho dos espíritas.

Esperamos que os avanços da ficção Admirável mundo novo de Aldous Huxley prevaleçam sobre os ambíguos “ais” de Nostradamus, que sejam evitadas gestões mundiais trágicas do romance 1984 de Orwell e que prevaleçam os laços de fraternidade e de solidariedade.

Na base, o real compromisso de aprimoramento moral e espiritual dos homens no uso do livre-arbítrio será definidor para as esperadas transformações que poderão se fortalecer, sem se precisar datas, num novo e melhor mundo.

A propósito como estímulo para se alimentar o otimismo e esperanças, lembramos de textos psicografados por Chico Xavier.

Em 1941, o espírito Casimiro Cunha escreveu o poema “Carta de Ano Bom” (2), de onde extraímos alguns trechos: “Entre um ano que se vai E outro que se inicia, Há sempre nova esperança, Promessas de Novo Dia… Considera, meu amigo, Nesse pequeno intervalo, Todo o tempo que perdeste Sem saber aproveitá-lo. […] Ano Novo!… Pede ao Céu Que te proteja o trabalho, Que te conceda na fé O mais sublime agasalho. Ano Bom!… Deus te abençoe No esforço que te conduz Das sombras tristes da Terra Para as bênçãos de Jesus.”

Bem mais à frente, em 1994, Emmanuel escreve “Carta de Ano Novo” (3). Eis uns trechos: “Ano Novo é também oportunidade de aprender, trabalhar e servir. O tempo como paternal amigo, como que se reencarna no corpo do calendário, descerrando-nos horizontes mais claros para necessária ascensão. Lembra-te de que o ano em retorno é novo dia a convocar-te para a execução de velhas promessas que ainda não tivestes a coragem de cumprir. […] Não te esqueças de que Jesus jamais se desespera conosco e, como que oculto ao nosso lado, paciente e bondoso, repete-nos de hora a hora: – Ama e auxilia sempre. Ajuda aos outros amparando a ti mesmo, porque se o dia volta amanhã, eu estou contigo, esperando pela doce alegria da porta aberta de teu coração.”

Dessas duas psicografias de Chico Xavier sobre o Ano Novo, destacamos as palavras: esforço, aprender, trabalhar e servir. São sugestões para a nova etapa do calendário terreno.

Fontes:

1) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Um mundo novo. A Senda. Revista digital da FEEES. Ano 100. N. 213. Janeiro-Fevereiro de 2022, p. 10-12. Acesso: https://www.feees.org.br/wp-content/uploads/2021/12/revista_jan-fev-1.pdf

2) Xavier, Francisco Cândido. Espírito Casimiro Cunha. Cartas do Evangelho. São Paulo: Lake.

3) Xavier, Francisco Cândido. Espíritos Diversos. Vida e Caminho. São Bernardo do Campo: GEEM.