Onde a raça, (ul)trapaça

24/04/2023

Onde a raça, (ul)trapaça

Wilson Garcia

O chicote e o tronco recolhidos dos morros do sofrimento foram retirados dos museus da história onde se encontravam, para açoitar a palavra daqueles que “deveriam” ter tido o cuidado de escrever e pensar em acordo com o avanço cultural de 100 anos depois.

Allan Kardec, o vulto humano gerado nas terras gálicas de um tempo distante e dado à luz na Paris do dia 18 de abril de 1857, ele e seus espíritos insolentes, são as vítimas brancas da mentalidade negra dos justiceiros da atualidade.

Estes se lançam aos mesmos espaços públicos onde teriam sido um dia personagens e vítimas do açoite empunhado pela mão desumana e agora gritam por justiça, tendo à sua frente, de cabeça baixa e olhos ao chão, aqueles cuja obra rompeu, como poucas, o pensamento retrógrado do bem e do mal. O açoite tine aos ventos enquanto o sangue das palavras espirra para todos os lados.

O homem que dá a voz de comando nesta nova colonialidade respira, com parcial alívio, por afrouxar do peito o traumático cravo ali pregado, que há tempos o atormenta.

Sorri, feliz. Enfim, a justiça está em andamento. Onde a raça, (ul)trapaça. Mas o ódio, embalado com o celofane translúcido deste tresloucado afeto, só se dará por extinto quando todos os corpos e todos os espíritos vierem ao chão tingido por todos os sangues.

Neste 18 de abril de 2023, a nova vítima foi apresentada no Gólgota (ou Pelourinho?) da virtualidade: O livro dos espíritos, posto disponível para gregos e romanos como o infiel convertido e, enfim, salvo. Eis que agora é antirracista.

No novo Index Librorum Prohibitorum foram lançados o pensador e a obra incorrigivelmente racista.

A paz transparece estranha e serena num céu de nuvens densamente carregadas. Os discursos de justa causa se intensificam sob a pena seca de verdades dos justiceiros contemporâneos, pois, afinal, é preciso manter o foco e prosseguir com garra indestrutível até a conclusão do vil projeto.

Nós amamos de paixão – ouve-se dizerem em tom profético – o velho educador Rivail da pequenina Bourg-en-Bresse e estamos a fazer aquilo que certamente faria ele se na pele do homem contemporâneo estivesse.

E como que prosseguem: nós somos a sua consciência em terras brasílicas em tempos de acerto de contas. Somos suas mãos, seus olhos e seu alívio e, mesmo com o coração partido por tantos andares e desvios, fazemos o sacrifício necessário de branquear todas as almas enegrecidas.

Prometemos, com humana compaixão e o mesmo alvo lençol dos tempos de antanho, recolher do tronco do suplício seu inanimado corpo, fazendo-o meritoriamente repousar no túmulo silente da paz eterna.

Na planície das almas aderidas a um insosso propósito de união, ouvem-se tímidas vozes de repúdio aqui e ali. Nenhuma, porém, com a virilidade necessária para impedir o cortejo fúnebre que leva para debaixo da lápide humilhante o corpo sem veias e vísceras até então inigualavelmente exaltado.

Esperam um sinal do céu? Que as pedras falem? A vinda do messias? Que os homens menos bons se tornem de fato bons?

Ao lado do túmulo o carrasco orgulhoso de pé, capuz na cabeça e chicote na mão.

A próxima vítima está a caminho e os amantes das cenas sangrentas aguardam, ávidos.

O suplício não acabou.

Transcrito de:

Expediente-on-line. Blog do WGarcia: https://www.expedienteonline.com.br/

Há 50 anos surgia “Emergência para a criança”

Há 50 anos surgia “Emergência para a criança”

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Durante compromissos em Araçatuba, há 50 anos, Divaldo Pereira Franco psicografou a mensagem “Emergência para a criança”, de autoria do espírito Benedita Fernandes.

Benedita foi uma das pioneiras do espiritismo em Araçatuba e, junto à Associação das Senhoras Cristãs, além do atendimento a doentes mentais, criou também a Casa da Criança, a Escola Mista do Abrigo João de Deus e a Escola Dr. Valadão Furquim, com convênio com a Prefeitura Municipal.

Divaldo em Araçatuba

Em abril de 1973 Divaldo proferiu palestra e foi entrevistado na 16ª Confraternização de Mocidades Espíritas da Noroeste do Estado de São Paulo, que coordenamos, e se hospedou no lar de nossos genitores Bebé e Rodolfo. Nesse local, na noite do dia 24/04/1973, Divaldo psicografou a mensagem citada. Como de hábito ele levava o original para revisão e datilografia em Salvador.

Logo depois, publicamo-la no jornal Folha da Região (22/05/1973), e em panfleto da União Municipal Espírita de Araçatuba (hoje USE Intermunicipal). Depois foi incluída no livro de Divaldo Sementes de vida eterna (Ed.LEAL, 1978) e em nosso livro Dama da Caridade (UMEA, 1982). Este, ampliado e reeditado: Benedita Fernandes. A dama da caridade (Cocriação, 2017).

A mensagem:

Eis uns trechos da mensagem espiritual cinquentenária:

“Emergência para a criança

Esse problema de emergência – o menor abandonado – deve ser atendido por todas as pessoas criteriosas, visando-se a solucioná-lo com urgência.

Enquanto não se empreenda uma campanha clarificada pelas luzes do Evangelho, com os altos objetivos de erra¬dicar-se a indiferença da Sociedade em relação à orfandade infantil, aqui incluídos os que são de "pais vivos", a bem pouco ficam reduzidas as expressões de ventura que a maioria pretende usufruir.

[…] Buscam-se valores para garantia da família, equilíbrio da ordem e prosperidade comunal; todavia, se a criança não passar à meta urgente, os esforços relevantes que se empreendem redundarão inoperantes.

[…] Todo investimento – e ninguém se pode eximir do dever de ajudar – aplicado no rumo do menor em aban¬dono é de alta valorização, porquanto os seus juros de¬mandam a eternidade.

[…] Negativos os métodos policiais coercitivos, infelizes os ajuntamentos em reformatórios e as punições exorbi¬tantes pela pancadaria desenfreada e o sadismo contumaz. Tais produzem esquizoides violentos, alienados em degeneração apressada, animais em fúria contida, aguardando ensejo…

O amor, porém, aliado aos recursos educativos por todos os meios hábeis, cuidará desses sêmens da humanidade e fará que se floresçam, na Terra, os jardins de paz, com abençoados frutos de felicidade a que todos almejamos" – Benedita Fernandes (Psicografia de Divaldo P. Franco, Araçatuba, SP, 24/4/1973, residência dos pais de Cesar Perri).

O tema é atual para reflexões nas famílias, instituições e no âmbito social.

E-mail recente de Divaldo

de: Divaldo Franco

para: Antonio Cesar Perri de Carvalho

data: 21 de abr. de 2023, 18:59

assunto: 50 anos da mensagem "Emergência para a criança"

Cesar:

Muita paz. Os anos passam e tenho estado doente, em especial com as sequelas da COVID. […] embora o bom ânimo e a coragem na luta. Comovido em demasia leio a mensagem de Dona Benedita. Que linda e quanto atual! Estou feliz recordando aquele período no seu lar, nossas conversas, reuniões familiares… Passaram-se 50 anos! Agradeço -lhe de coração e oro a Deus por todos nós.

Abracos,

Divaldo

Momentos históricos de obras espíritas

Momentos históricos de obras espíritas

                          

Antonio Cesar Perri de Carvalho

A passagem dos 166 anos do lançamento de O livro dos espíritos nos remete ao dia 18 de abril de 1857.

Nessa data, numa livraria dentro do Palais Royal, no centro de Paris, Allan Kardec fez o lançamento dessa obra inaugural do Espiritismo. A livraria foi muito visitada porque era um local de expressão cultural e muito frequentada na capital francesa.

O lançamento da obra inicial de Kardec provocou repercussões em Paris, com matérias jornalísticas e resenhas nos folhetins da capital; o interesse do imperador Napoleão III e de sua esposa; e as difusões feitas por intelectuais como o dramaturgo Victorien Sardou, os escritores George Sand e Théophile Gautier. Sabe-se também que Victor Hugo realizava reuniões mediúnicas. Gautier escreveu a peça teatral “Espírita”, o primeiro romance espírita da história, traduzido e publicado pela Casa Editora O Clarim como O ignorado amor.

Nove meses depois, em janeiro de 1858, Allan Kardec lançou a Revista Espírita, que foi editada mensalmente com direção de seu fundador até sua desencarnação em março de 1869. O profícuo período da Revue Spirite sob administração do Codificador, é conhecido e há muitas traduções dessa coleção.

A Revista continha artigos, resenhas de livros espíritas e espiritualistas, notícias, e síntese de matérias de autoria de Kardec que vieram a se constituir partes de seus futuros livros. Assim, ela funcionou também como um “balão de ensaio” para futuras obras de Kardec.

Essa revista espírita pioneira prossegue sendo editada na França. Passou por momentos complexos, de suspensões durante as duas Guerras Mundiais e também interferências que comprometiam a linha doutrinária iniciada por Kardec. Nesse interim ocorreram vários esforços de lideranças francesas e foi possível a retomada da orientação editorial do seu fundador. Depois do ano 2.000 contou com o apoio do Conselho Espírita Internacional; na época Nestor Masotti era o secretário geral. Essa organização assumiu a propriedade dos direitos dessa revista. Atuamos como colaborador e membro da Comissão Editorial nessa fase até o ano de 2015.

Desde 2011, a Revista Espírita é editada pelo Le Mouvement Spirite Francophone, contando como editor o belga Jean Paul Évrard.

No ano 165 de sua edição, a Revista Espírita apresenta excelentes qualidades gráficas e de conteúdo, com artigos de profundidade doutrinária de autores franceses, divulgação das obras de Kardec e de Léon Denis, editadas na França, e artigos sobre obras psicografadas por Chico Xavier.

Nos Editoriais, o editor Jean-Paul Évrard continuadamente faz homenagem a Roger Perez (1928-2019) e Nestor Masotti (1937-2014) pela cessão dos direitos dessa revista criada por Kardec, do Conselho Espírita Internacional para os atuais editores francofônicos.

O autor foi dirigente espírita em Araçatuba; ex-presidente da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo e da Federação Espírita Brasileira; ex-membro do Conselho Espírita Internacional.

(Artigo publicado no jornal Folha da Região, Araçatuba, 14/04/2023)

Das aparições de Jesus à mediunidade de Chico Xavier

Das aparições de Jesus à mediunidade de Chico Xavier

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Nessa tradicional semana de Páscoa, a culminância está relacionada com a aparição de Jesus marcada para algumas religiões como o 3o dia em seguida à crucificação.

As onze aparições de Jesus a partir da inicial do 3o dia, caracterizada com o "túmulo vazio", e até o 40o dia após a crucificação, foram marcantes para consolidar a mensagem de Jesus.

Dezenove séculos depois de Jesus, um médium simples, dedicado e fiel a Jesus e Kardec – o nosso contemporâneo Chico Xavier – foi intermediário de milhares de espíritos, vários oferecendo provas da imortalidade da alma e todos transmitindo mensagens de consolo, esclarecimento e enlevo espiritual.

Essa foi a missão marcante e histórica de Chico Xavier, que nasceu no dia 02 de abril de 1910, em Pedro Leopoldo (MG).

Chico psicografou algumas centenas de livros fundamentados no ensino moral de Jesus. Como pessoa foi exemplo de renúncia, com extrema dedicação ao próximo. No atendimento a filas imensas de pessoas em aflição, ofereceu conforto espiritual, consolo e apoio a um número incontável de pessoas. Chico Xavier teve uma longa existência de exemplificações e podemos afirmar que sempre foi arauto da paz, do amor e da certeza da imortalidade da alma. Jesus sempre esteve presente nos livros, nas ações e falas de Chico Xavier. Embora tendo passado por dificuldades e sofrimentos, Chico superava-os e não exteriorizava sinais de amargura. Chico Xavier foi um exemplo próximo a nós.

Nesses dias se evoca os momentos finais de Jesus, com marcadas encenações e símbolos ligados à crucificação.

Destacamos trecho de Emmanuel comentando João (19, 5):

“— ‘Eis o Homem!’ – Aparentemente vencido, o Mestre surgia em plena grandeza espiritual, revelando o mais alto padrão de dignidade humana. Rememorando, pois, semelhante passagem, recordemos que somente nas linhas morais do Cristo é que atingiremos a Humanidade Real” (FCX, Fonte viva, cap.127).

Assim, mais significativo do que evocar o sofrimento e a morte de Jesus, com as tradicionais cerimônias e procissões da “paixão” será importante procurarmos marcar a imagem de Jesus de uma forma diferente: não mais a da crucificação, mas de suas aparições. Jesus vive!

Numa época tão conturbada, como a atualmente vivida por todos nós, são necessários exemplos dignificantes e mensagens de alento para a superação de tantas aflições.

Com o Espiritismo, com as obras de Allan Kardec, as produzidas pela mediunidade de Chico Xavier e seus exemplos de vida, fortalecemos a convicção na imortalidade da alma.

Kardec é sempre um recomeço

Kardec é sempre um recomeço

         

Antonio Cesar Perri de Carvalho

O dia 31 de março é lembrado como a data da desencarnação de Allan Kardec, ocorrida em Paris, no ano de 1869.

Originalmente seu corpo foi sepultado no Cemitério de Montmartre, depois transladado para o histórico Cemitério Père-Lachaise, onde foi erigido um dolmen, tendo na pedra superior insculpida a frase definida por seus amigos: "Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sem cessar esta é a lei".

Na primeira vez que visitamos o local, em maio de 1971, na portaria do Cemitério Père Lachaise, um funcionário nos forneceu um mapa com a indicação do túmulo. Ao chegarmos ao dólmen, ficamos impressionados com a quantidade de flores frescas que o adornavam. O túmulo fazia parte de visitações turísticas, de grupos de história da arte e de simpatizantes do vulto Kardec, independentemente de serem espíritas.

Em várias épocas retornamos ao Cemitério parisiense levando parentes e amigos para a visita desejada por muitos.

Numa visita no 1o semestre de 2004, chegamos cedo, logo que o Cemitério abriu, e ao nos aproximarmos do túmulo de Kardec, lá estava uma senhora idosa trocando as flores que adornam o monumento. De imediato, pedimos licença e iniciamos um diálogo com ela. A sra. Antoinette Bastide nos relatou que há mais de 20 anos espontaneamente assumiu esse encargo diário, em prosseguimento a compromisso iniciado por uma senhora já desencarnada, que durante quase 30 anos providenciava a renovação de flores em gratidão porque teria sido beneficiada por uma cura. A sra. Bastide declarou-nos que conhecia as obras de Kardec.

Para nós o importante não é a valorização de bustos e túmulos, mas as obras do homenageado. Allan Kardec está bem vivo em várias ações e meios de comunicação.

Em 2019, foi exibido o filme “Kardec”, produzido por Wagner de Assis e fundamentado no livro Kardec, do jornalista Marcel Souto Maior (Ed. Record, 2013).

Um primoroso documentário, “Em Busca de Kardec”, foi exibido em 2020 pela TV Prime Box Brasil, disponibilizado para assinantes do Prime-Amazon. Produção da Lighthouse, tendo como diretor, roteirista e narrador Karim Akadiri Soumaïla. Em seguida, a TV aberta Cultura de São Paulo exibiu a série de oito episódios do documentário.

Há 50 anos, a USE-SP divulga a Campanha: “Comece pelo Começo. Conheça o Espiritismo através das Obras Básicas da Codificação”, criada por proposta do publicitário Merhy Seba. Em novembro de 2014, durante nossa presidência, foi aprovada pelo Conselho Federativo Nacional da Federação Espírita Brasileira.

A ideia do renascer e progredir registrada no túmulo histórico pode ser levada à analogia com o papel das obras que instruem. Estudar as obras básicas do Espiritismo, de Kardec, é sempre um convite para um recomeço na trajetória de nossas vidas.

(Foi dirigente em Araçatuba, presidente da USE-SP e da FEB).

Publicado em: Folha da Região, Araçatuba, 29/03//2023.

165 anos da trajetória da Revue Spirite

165 anos da trajetória da Revue Spirite

       

    

Antonio Cesar Perri de Carvalho 

As nossas publicações na Revista Internacional de Espiritismo iniciaram-se há 50 anos (1973), embora mas já colaborássevamos com o jornal O Clarim.

No final de 1980 assumimos a seção “Periódicos estrangeiros” e, ao longo de mais de dez anos, redigimos resenhas mensais de periódicos que a redação da RIE nos enviava. Passamos a acompanhar acontecimentos espíritas dos países.

Desde o início dos anos 1970 e depois em encargos espíritas envolvemo-nos em ações internacionais, originando várias anotações na RIE. Em maio de 1971, visitamos locais relacionados com o espiritismo em Paris, como a Maison des Spirites (rua Copernic, 8), próxima ao Arco do Triunfo. Na entrada, um folheto anunciava o programa mensal e aparecia Hubert Forestier como seu diretor, também da Revue Spirite. Ele desencarnou cinco meses depois.

Após esse preâmbulo e a propósito dos 165 anos da revista fundada por Allan Kardec, julgamos oportunos alguns registros.

O profícuo período da Revue Spirite sob administração do Codificador (1858-1869), é conhecido e há muitas traduções dessa coleção.

Após a desencarnação de Kardec a revista foi dirigida por Pierre-Gaëtan Leymarie (1827-1901), fase em que ocorreram alterações na linha editorial, como o roustainguismo e a teosofia. Como discordância, no final da existência Amélie Boudet participou da fundação da União Espírita Francesa, liderada por Léon Denis, Alexandre e Gabriel Delanne, e, surgiu a revista Le Spiritisme. Simultaneamente, a Revue Spirite prosseguiu com os sucessores de Leymarie até a interrupção durante a 1a Guerra Mundial. Em 1916, com o apoio de Léon Denis, Jean Meyer (1855-1931) assumiu como diretor-proprietário da Revue, com a colaboração de Hubert Forestier (1901-1971) como editor-chefe e depois seu substituto. Houve interrupção durante a 2a Guerra Mundial, retornando em 1947 com o mesmo diretor.

Em seguida à desencarnação de Forestier, em setembro de 1971, André Dumas (1908-1987) assumiu a direção da Revue. Dumas alterou o estatuto da União Espírita Francesa que passou a ser designada União Científica Francofônica para a Investigação Psíquica e o Estudo da Sobrevivência da Alma (USFIPES); em 1977 a Revue foi substituída pela revista Renaître 2000, com linha editorial voltada à ciência, sem vinculações com religiosidade. Na seção “Periódicos estrangeiros” sintetizamos matérias da Renaître desde o final de 1980.

Em 1985 Roger Perez fundaou a União Espírita Francesa e Francofônica (USFF) e entra em iniciou contenda para conquistar os direitos da Revue Spirite. Com o trâmite jurídico, Roger Perez e Louis Serré recuperaram os direitos e a Revue em 1987, depois de 12 anos de interrupção, circulou no 4o trimestre de 1989. Pelas dificuldades, eram impressões simples em “offset”. Tivemos oportunidade de manuseá-las.

Novos rumos começam a surgir com a fundação do Conselho Espírita Internacional-CEI, em 1992. Roger foi um dos fundadores e um dos dirigentes. Por ocasião do 2o Congresso Espírita Mundial, promovido pelo CEI (Lisboa,1998), Roger, presidente da Union Spirite Française et Francophone (USFF), solicitou em público o apoio do CEI para se consolidar a Revue Spirite. Estávamos presentes como congressista e dois anos depois integramos a assessoria do secretário geral do CEI Nestor João Masotti na 7a Reunião Ordinária do CEI para as Américas e 1o Congresso Espírita dos Estados Unidos (Miami, 2000). Na oportunidade, o CEI aprovou a efetivação de um protocolo de parceria com a USFF para a edição da Revue Spirite a partir do 2o trimestre de 2001 e, progressivamente, também em português, espanhol e inglês.(1)

A Comissão Executiva do CEI definiu estrutura editorial apoiada nas condições do CEI no Brasil. Nestor Masotti prestou marcante apoio com a participação da Casa Editora O Clarim (Matão, SP), que assumiu a diagramação e impressão. Passamos a integrar a comissão editorial e ficamos responsável pela intermediação entre a USFF e O Clarim, respectivamente, representados por Roger Perez e Christiane Brageul, e, Apparecido Belvedere. Surgiu a nova etapa da edição da Revue Spirite. No período de 30 de março a 1o de abril de 2001 comparecemos ao 4o Encontro da Coordenadoria de Apoio ao Movimento Espírita da Europa, em Berlim (Alemanha), representando Nestor Masotti, secretário geral do CEI. Nossa tarefa era lançar o exemplar da Revue na nova fase (2o trimestre de 2001). A reunião foi presidida por Roger Perez, coordenador deste órgão regional do CEI. Presentes representantes de vários países europeus, membros da Comissão Executiva do CEI e Apparecido Belvedere, representando a Casa Editora O Clarim.(2)

Após a regularização da edição francesa, surgiu a versão em espanhol, La Revista Espírita, dedicadamente elaborada por Luís Hu Rivas, colaborador do CEI. Durante anos também foi impressa em O Clarim e distribuída gratuitamente pelo CEI para instituições hispânicas.

Em reunião da Coordenadoria do CEI-Europa (Paris, maio de 2004), Roger solicitou que informássemos sobre as edições da Revue em francês e em espanhol.(3)

Um marco histórico da Revue ocorreu no 4o Congresso Espírita Mundial (Paris, outubro de 2004) para comemoração do Bicentenário de nascimento de Kardec. Houve distribuição gratuita de edições especiais com as mesmas matérias: em francês, La Revue spirite; em esperanto, Spiritisma revuo; em espanhol, La revista espírita; em inglês, The spiritist review.

Fato marcante foi o lançamento em inglês de The Spiritist Magazine, durante o 2o Simpósio Espírita dos Estados Unidos (New York, 2008). Vanessa Anseloni assumiu a editoria e a responsabilidade de impressão nos Estados Unidos. Estivemos presentes representando o secretário geral do CEI Masotti.(4)

A Revue foi se consolidando, mas Roger Perez tinha uma ideia muito definida. Na reunião do CEI no 5o Congresso Espírita Mundial (Cartagena, Colômbia, 2007), propôs que os direitos de propriedade da revista junto aos órgãos da França, fossem transferidos da USFF para o CEI. Antes de participarmos da 13a Reunião Ordinária do CEI (Liège, Bélgica, 2009), estivemos com Nestor Masotti, Charles Kempf e com nossa esposa Célia, em visita à União Espírita Francesa e Francofônica, em Tours, encontrando-nos com seus dirigentes Roger Perez e Christiane Brageul, definindo questões operacionais da Revue.

No ano de 2011, Nestor Masotti concordou em transferir os direitos da Revue Spirite do CEI para um comitê de redação composto por membros da França, Bélgica, Luxemburgo e da Província de Quebec (Canadá). Em seguida, Roger e Masotti definiram a transferência da Revue Spirite para Le Mouvement Spirite Francophone.(5), com Houve informação na 15a Reunião Ordinária do CEI em Montreal (maio, 2012).

Entre 2001 e 2009, a Revue Spirite foi impressa pela Casa Editora O Clarim e remetida à USFF em Tours; depois, impressa no Canadá e Europa.

Em 2020 venceu o registro do CEI na França da Revue Spirite e houve o depósito legal por Le Mouvement Spirite Francophone. Atualmente, a Revue Spirite é editada trimestralmente por Le Mouvement Spirite Francophone, com excelentes qualidades de conteúdo e gráficas. Nos Editoriais, o editor Jean-Paul Évrard continuadamente faz homenagem a Roger Perez (1928-2019) e Nestor Masotti (1937-2014) pela cessão dos direitos dessa revista criada por Kardec.(6)

Referências:

1) 7ème Reunion du C.S.I. La revue spirite. Année 144. N.47. 2ème Trim. 2001. P.30-32.

2) Expande-se o Espiritismo na Europa; Encontro com grupos espíritas alemães. Revista internacional de espiritismo. Ano LXXVI. N.4. Maio de 2001. P. 173-176.

3) Atividades do CEI na Europa. Reformador. Ano 122. N.2104. Julho de 2004. P.268-270.

4) Lançada nos Estados Unidos a Revista Espírita em inglês. Revista internacional de espiritismo. Ano LXXXIX. N.6. Julho de 2008. P.332.

5) Éditorial: Revue Spirite. Éd.Spéciale. Année 153. 2010; Année 154. 4ème Trim.2011.

6) Revue spirite. Acesso: www.revue-spirite.org;

(O autor foi presidente da FEB, da USE-SP e membro da Comissão Executiva do CEI)

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Transcrito de: Revista Internacional de Espiritismo. Ano XCVIII. N.2. Março de 2023. p. 78-80.

Melhorar-se ou melhorar a “obra”

Artigo e Nota da USE

Melhorar-se ou melhorar a “obra”

Vladimir Alexei*  – 13/03/23

Allan Kardec, na Revue Spirite, edição de novembro de 1858, define, com maturidade, o que é “polêmica espírita”. Há um gênero de polêmica, assevera o Codificador, que ele não participava: “é aquela que pode degenerar em personalismo”. “Há polêmica e polêmica”, continua Kardec, porque há uma da qual ele não recuava: é a discussão séria dos princípios que ele professava. É tênue, a linha que separa o personalismo de uma discussão séria de princípios.

Recentemente, um grupo de espíritas lançou a obra “O Evangelho Segundo o Espiritismo – edição antirracista”. A alegação é muito louvável. Independente de uma participação jurídica como motivação (TAC, Ministério Público da Bahia, etc.), da qual não comentaremos nada porque não acrescentaria à proposta de reflexão, vivemos em um país extremamente racista, preconceituoso, xenófobo, transfóbico, gordofóbico e etarista. A lista é muito mais extensa, entretanto, é suficiente para uma pessoa, em sã consciência, compreender que há necessidade de as pessoas saberem que as diferenças importam, que o respeito é princípio elementar e garantidor de uma sociedade próspera e com princípios cívicos bem estruturados. É o mínimo.

Dito isso, refletimos em alguns trechos da obra de Allan Kardec em sua edição antirracista. Aqui cabe um parêntese: embora admire o verbo fluido, a escrita clássica e os textos extensos, é preciso objetividade na análise, ainda que de forma ligeira e sem preocupação de uma “análise de conteúdo” mais rigorosa, porque traremos uma interpretação dentre tantas outras possíveis. Inclusive, a nossa interpretação é diferente do grupo Espíritas à Esquerda.

O primeiro texto que analisamos, foi do capítulo III – Há muitas moradas na casa de meu Pai, instrução dos espíritos, item oito, segundo parágrafo. A tradução utilizada foi do Guillon Ribeiro, por ser de domínio público, como explicado pelos autores. No Evangelho Segundo o Espiritismo,

Allan Kardec escreve, o seguinte (em francês): “La terre étant prise pour point de comparaison, on peut se faire une idée de l'état d'un monde inférieur en y supposant l'homme au degré des races sauvages ou des nations barbares que l'on trouve encore à as surface, et qui sont les restes de son état primitif. Dans les plus arriérés, les êtres qui les habitent sont en quelque sorte rudimentaires. (…)”,

Guillon Ribeiro traduziu assim: “Tomada a Terra por termo de comparação, pode-se fazer ideia do estado de um mundo inferior, supondo os seus habitantes na condição das raças selvagens ou das nações bárbaras que ainda entre nós se encontram, restos do estado primitivo do nosso orbe. Nos mais atrasados, são de certo modo rudimentares os seres que os habitam.”

A obra citada, acresceu a seguinte alternativa de texto, sem mudar absolutamente nada do texto original traduzido (ou seja: você pode ler os dois textos, a tradução do Guillon e o entendimento do grupo Espíritas à Esquerda): “Tomada a Terra por termo de comparação, pode-se fazer ideia do estado de um mundo inferior, supondo os seus habitantes na condição de outras espécies do gênero humano, como homo erectus e homo neanderthalensis, que já habitaram entre nós, lembranças fósseis do estado primitivo do nosso orbe. Nos mais atrasados, eram de certo modo rudimentares os seres que os habitavam.” (grifo nosso)

Em uma primeira leitura comparativa, mesmo para alguém que não é fluente em francês, pode compreender que a tradução antirracista é diferente do original. É oportuno lembrar que o texto citado é uma apresentação, uma contextualização para situar o leitor no “tempo e no espaço” da ideia central que é a evolução (“muitas moradas”…).

Nesse sentido, entendo que a tradução antirracista sugere um determinismo no texto em relação aos habitantes de uma época (“homo erectus e homo neanderthalensis”), que pode não ter o mesmo sentido proposto por Allan Kardec. Reforçando nosso entendimento: trata-se de uma apresentação de um texto de instrução dos espíritos, que inicia com um histórico, contextualizando, abrindo cortinas para que o conteúdo fosse introduzido e desenvolvido em sequência.

Essa primeira reflexão leva à outra: tentar atribuir um sentido ao que Allan Kardec disse, além do que está escrito é passível de interpretação, logo, passível de múltiplos entendimentos. E por múltiplos entendimentos, esse autor considera apenas aqueles respeitosos, que divergem de ideias, jamais das pessoas.

Nesse sentido, inserir, extrair, modificar textos que podem sugerir um determinado agrupamento de seres, talvez não seja o mais adequado, lembrando que se trata de uma instrução dos espíritos, que poderiam saber (aqui não cabe a minha interpretação do pensamento dos espíritos, porque incorreria no mesmo erro que estou atribuindo aos Espíritas à Esquerda), de outras informações além do que foi transcrito por Allan Kardec.

Textos como “perfectibilidade da raça negra” e “teoria da beleza”, da forma como foram escritos, sugerem racismo. Por que? Porque a interpretação é livre! Aqueles que estão na luta contra o racismo enxergam com os olhos treinados a identificar essa mazela social, tão doentia e que definitivamente precisa realmente ser combatida por todos. Respeito isso. Como respeito e vejo como mais plausível que os “erros” de Kardec foram expressões de um comportamento científico adotado na época, explicados de acordo com os costumes de então.

A julgar por toda a obra, seria muito infantil alegar que Kardec era espiritualizado, desprendido de pretensões materialistas, mas era “racista”. Pensar assim seria muito simplista, literal até.

Escrevemos com respeito, mas sem a preocupação de agradar. Repetimos: a luta contra o racismo estrutural no Brasil deveria ser de todos. Assim como entendemos que a luta por preservar os princípios doutrinários inalterados também deveria ser de todos. Caberiam livros, artigos, palestras, podcasts, lives e tudo o mais que fosse necessário para difundir a compreensão do grupo Espíritas à Esquerda, sobre o racismo.

Todavia, mexer nas obras fundamentais, reeditar as obras de Allan Kardec acrescentando textos como possíveis alternativas para se interpretar de forma antirracista os textos de um autor desencarnado, creio ser desnecessário.

A luta digna, louvável e hercúlea do grupo Espíritas à Esquerda na política pela democracia é uma coisa. Trazer essa luta para modificar obras e atribuir textos interpretativos ao pensamento do codificador, é outra, que extrapola as diferenças contra a luta com os espíritas de direita (algo que, convenhamos, não combina nem um pouco com a obra de Allan Kardec).

Assim sendo, é preferível melhorar-se ou esforçar-se por “melhorar” a obra de um autor desencarnado?

* Este artigo reflete apenas o pensamento do autor que fez uma reflexão em torno do tema, sem tentar impor a ninguém seu pensamento.

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No 007/2023 – NOTA OFICIAL

    

Sobre as tentativas de adulteração das obras de Allan Kardec

A União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo (USE-SP) vem a público repudiar qualquer tentativa de adulteração das obras de Allan Kardec, as quais apresentam a fundamentação teórico-doutrinária do Espiritismo, esclarecendo sobre a natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como suas relações com o mundo corporal.

Tais obras caracterizam-se como patrimônio cultural dos espíritas, estendendo-se a toda a humanidade.

Desde a desencarnação de Kardec, no dia 31/03/1869, não é raro surgirem pessoas ou grupos tentando adulterar esse patrimônio, sob o pretexto de “atualização”.

Nada impede que qualquer indivíduo contribua com o desenvolvimento do conhecimento humano, publicando em seu próprio nome o que considerar relevante, porém é completamente injustificável e ilegítimo tentar reescrever obras de autores mundialmente conhecidos para adequar suas próprias ideias e convicções.

Como artifício para a adulteração, acrescentam-se textos estranhos às obras de Kardec para promover reinterpretações enviesadas e distorcidas dos textos originais. Lamentamos, ainda, a divulgação e reprodução de obras adulteradas, sejam elas comercializadas ou distribuídas gratuitamente, desrespeitando a ética autoral e deturpando os postulados espíritas.

São Paulo, 10 de março de 2023.

Rosana Amado Gaspar

Presidente USE-SP

Acesso (copie e cole): https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2023/03/007_2023_Nota-sobre-Adulteracao-de-obras.pdf

Paulo de Tarso. A vertente espiritual da montanha

Paulo de Tarso. A vertente espiritual da montanha

Antonio Cesar Perri de Carvalho

No afã de estudos continuados sobre Paulo de Tarso, deparamo-nos com frase de Nicolas Thomas Wright, bispo anglicano e pesquisador acadêmico: “estudar Paulo é como descobrir diferentes caminhos para escalar uma montanha”1.

Naturalmente, fizemos a conexão com aspectos espirituais a partir do próprio Paulo: “Se vivemos em Espírito, andemos também em Espírito” (Gálatas 5,25) e pensamos num flanco dessa montanha, na ótica espírita.

Para apoio à essa escalada, focalizamos registros de diversos pesquisadores acadêmicos, até de Carl Gustav Jung, analisando-os concomitantemente com a visão espírita.

Na literatura espírita, destacam-se o monumental Paulo e Estêvão e a profícua exegese sobre as Epístolas, marcantes contribuições de Emmanuel, pela psicografia de Chico Xavier. Desde Allan Kardec em O Evangelho segundo o espiritismo há análises sobre as Epístolas e instruções espirituais de Paulo. Vários autores espíritas encarnados valorizaram Paulo e suas epístolas.

Ao reunirmos variados estudos e vivências surgiu o novo livro Paulo de Tarso. A vertente espiritual da montanha, da Casa Editora O Clarim2.

O nosso objetivo é estimular o estudo sobre o marcante vulto do cristianismo e suas Epístolas.

Os pesquisadores reconhecem e valorizam esses textos como os primeiros registros completos sobre os albores do cristianismo, fonte de inestimável valor histórico. As expressivas pesquisas acadêmicas sobre a vida e as epístolas de Paulo nos favorecem a compreensão sobre o contexto político e religioso que ele viveu, superando inúmeras “encruzilhadas” nas diversas províncias do Império Romano. É o autor vinculado ao cristianismo primitivo mais estudado nos meios acadêmicos e em agremiações religiosas tradicionais do mundo anglo-saxônico.

Desde nossas publicações prévias destacamos os aspectos morais e evidências de intercâmbios espirituais grafados em suas cartas e na trajetória do Apóstolo. Interessante é que Paulo foi resguardado pelo Estado romano, uma proteção nos termos da legislação do Império, garantindo direitos de cidadania, e nunca de dependência fisiológica de governos. Inicialmente manteve fidelidade a Moisés e depois a transferiu a Jesus. Portador de autonomia intelectual, o ex-doutor da Lei garantiu a independência do cristianismo em relação ao judaísmo. Aos seus “irmãos de raça”, corajosamente afirmou que o Messias “é mediador de uma melhor aliança” (Hebreus, 8, 6)!

No desenvolvimento do novo livro, em função das múltiplas reflexões ensejadas pelo estudo sobre a vida e obra do Apóstolo, chegamos a analogias com algumas situações do contexto da atualidade. Nesse conjunto surgem os pensamentos relacionados com anotações de Paulo, de certa forma predecessoras de princípios espíritas, e outras aplicáveis ao centro espírita.

Nos versículos sobre o amor (1Coríntios 13, 1-13) identificamos a seta indicativa para a caminhada ao longo da escalada de montanha de cada um de nós!

Referências:

1) Wright, Nicolas Thomas. Trad. Soares, Joshua de Bragança. Paulo. Novas perspectivas. Prefácio. 1a Parte, cap. 1. São Paulo: Edições Loyola, 2009.

2) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Paulo de Tarso. A vertente espiritual da montanha. Matão: Casa Editora O Clarim. 2023.

Extraído de:

A Senda. Revista digital da Federação Espírita do Espírito Santo. Ano 100. N. 220. Março-Abril de 2023. p.7.

Homenagem a Chico Xavier em desfile de carnaval

Homenagem a Chico Xavier em desfile de carnaval

       

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Independentemente de se apreciar, participar ou não das festas carnavalescas, nelas surgem manifestações que são interpretadas como reconhecimentos populares.

Nesse ano, a escola de samba Gaviões da Fiel, de São Paulo, apresentou enredo com componentes religiosos das mais diversas crenças, destacando as mais populares. Uma delas foi o espiritismo, contando com um carro alegórico homenageando Chico Xavier.

O fato ocorreu no desfile do chamado grupo especial na noite de abertura no Sambódromo do Anhembi, na capital paulista. A página eletrônica “Aventuras na História”, destaca que “o médium brasileiro, falecido há 20 anos, marcou a história do espiritismo com cartas psicografadas…”

O samba-enredo da escola de samba Gaviões da Fiel, intitulado “Em Nome do Pai, Dos Filhos, Dos Espíritos e Dos Santos… Amém!”, é um poema de respeito à diversidade religiosa. O título já evidencia a pluralidade e no desenvolvimento repete o refrão “Nossa bandeira é religião”. Enfatiza os cultos de matrizes africanas, logicamente o patrono do time de futebol, o São Jorge, e repete em dois momentos a estrofe: “Enfim a nossa terra prometida/ Na paz eu vi o povo se amar/ Nessa terra que é de amém e de axé/ Na verdade de Irmã Dulce/ E de Chico Xavier”.

A motivação para o enredo e a coreografia do desfile da Gaviões da Fiel foi a questão da intolerância religiosa. Tema da atualidade, pois, simultaneamente ao crescimento de adeptos a várias religiões, ocorrem algumas reações até violentas de intolerância religiosa.

Desde a primeira Constituição da República, oficialmente o país é laico. Isso ficou sacramentado na Constituição vigente. O laicismo não pode ser confundido com ateísmo. Fundamenta o respeito às diversas tendências e cultos religiosos.

O Brasil sendo um país multicultural, desenvolvido com a misceginação de diversas etnias e correntes migratórias, apresenta naturalmente várias convicções e tradições religiosas.

Por essas razões, não é cabível o favorecimento de governos e de governantes a nenhuma religião.

Por outro lado, as lideranças religiosas, coerentes com o fundamento do respeito ao próximo, devem exercer o respeito às diversas religiões e também não explicitarem posições político-partidárias. No seio das agremiações religiosas deve haver o respeito à diversidade de tendências político-partidárias de seus frequentadores.

Na realidade, nunca fomos envolvidos com carnaval e futebol. Essa escola de samba é vinculada a tradicional time de futebol. Mas, reconhecemos o significado sociológico e antropológico do evento.

Nesse contexto, a homenagem espontânea e de origem popular a Chico Xavier deve ser entendida como mais uma manifestação de respeito e de admiração ao grande vulto espírita.

O autor foi dirigente espírita em Araçatuba e é ex-presidente da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo da Federação Espírita Brasileira.

(Folha da Região. Araçatuba, 02/03/2023)

As Três Peneiras de Sócrates

As Três Peneiras de Sócrates

 

As três peneiras é uma fábula atribuída à Sócrates (filósofo grego do século V a.C.).

Trata-se de uma reflexão sobre o que falar, como falar e quando falar, conforme segue:

Um homem foi ao encontro de Sócrates, levando ao filósofo uma informação que julgava de seu interesse:

- Mestre, o senhor nem imagina o que me contaram a respeito de um amigo seu. Disseram que o …

Nem chegou a completar a frase e Sócrates aparteou:

- Espere um pouco. Disse o mestre.

- O que vai me contar já passou pelo crivo das Três Peneiras?

- Peneiras? Que Peneiras, mestre?

- Explico. Disse Sócrates.

- A primeira é a peneira da VERDADE:

Você tem certeza de que esse fato é absolutamente verdadeiro?

- Não. Não tenho, não. Como posso saber? O que sei foi o que me contaram. Mas eu acho que… E novamente é interrompido.

- Então sua história já vazou a primeira peneira. Vamos então para a segunda peneira que é a da BONDADE:

O que você vai me contar, gostaria que os outros também dissessem a seu respeito?

- Claro que não! Deus me livre! Disse o homem, assustado.

- Então. Continua Sócrates – Sua história vazou também a segunda peneira.

Vamos ver a terceira peneira, que é a da NECESSIDADE:

Convém contar? É realmente importante a divulgação desta informação? Resolve alguma coisa? Ajuda a comunidade?

- Devo confessar que não. Disse o homem, envergonhado.

- Então, disse-lhe o sábio, se o que queres me contar não é VERDADEIRO, nem BOM e nem NECESSÁRIO …

… GUARDE APENAS PARA TI!

E ainda arrematou:

- Sempre que passar pelas três peneiras, conte! Caso contrário, esqueça e enterre tudo. Será uma fofoca a menos para envenenar o mundo e fomentar a discórdia.

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OS TRÊS CRIVOS

Há uma curta mensagem do espírito Irmão X intitulada “Os três crivos”, referindo-se à “lição de Sócrates, em questões de maledicência”.

(Xavier, Francisco Cândido. Espíritos diversos. Aulas da Vida. São Paulo: IDEAL. 1981).

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Se as pessoas usassem desses critérios, seriam mais felizes e usariam seus esforços e talentos em outras atividades, antes de obedecer ao impulso de simplesmente passá-los adiante.

“O que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é o que contamina o homem” (Mateus 15, 11).

(ACPC)