INQUIETUDE

Francisco Habermann (*)

Não existe inquietude maior que aquela gerada pela busca da esperança. Quando os limites da sobrevivência tocam o nosso ser profundo o mundo íntimo é sensibilizado, fica frágil, inseguro e carente. É o que percebi andando pelo mundo dos sofridos. Divido com os leitores estas considerações na esperança do alivio das próprias inquietudes – minhas e de quem me lê – as mesmas que podem afetar qualquer um nesta temporária existência.

Vivendo, fico admirado pela força dos resistentes, com o ânimo dos persistentes e pela contínua disposição dos que lutam pela emancipação do ser humano diante do indecifrável amanhã. Onde buscam energia para sustentar tantas lutas pela vida?

Trabalhando pelos corredores da vida profissional médica, sempre andei com os sentidos bem despertos para a ansiada identificação da real fonte dessas forças. Busquei-as continuamente em todos os cantos dos sofrimentos humanos, em todas as áreas desérticas dos espíritos solitários, entre todos os que se mostravam imbatíveis diante da catástrofe humana…

Pesquisando, debalde procurei-a na roda interminável das atividades contínuas do mundo material e entre quem delas não conseguia se desvencilhar. Busquei-a entre os que usufruem das facilidades da vida abastada; dos que erram pelo mundo enquanto caminham a esmo e também nada encontrei.

Insistindo, fui buscar na imensidão dos recantos longínquos a resposta às minhas perquirições tão simples. Onde está a fonte daquela força que faz manter o ânimo, o destemor, a luta, a confiança e paciência pelo que há de vir, de acontecer ou das incógnitas da vida?

Assim, percorri durante a existência a imensidão por entre as florestas densas da nossa ignorância e desconhecimento para um dia me surpreender. Foi quando fiquei diante da criatura mais miserável desta vida, abandonada e sem rumo, pouco preocupada com o amanhã dela mesma. Estava ali como se fosse posta e largada para nem se mexer.

Nada lhe disse. Apenas cheguei perto e mirei em seus olhos. Logo vi a força brotando do fundo de sua alma – era visível, inconfundível, era a tão ansiada esperança que eu buscava.

Então compreendi, aquela criatura não tinha nada do mundo, possuía tudo do espírito; nada dela mas tudo do ser profundo que a habitava. Nem voz sequer possuía – era muda de nascença. E eis que me surpreendeu num gesto inesperado.

Olhou fixamente nos meus olhos parecendo que lia em minh’alma a pergunta ansiosa. Simplesmente retirou do seu bolso, estendendo-me, um pequeno bilhete amassado. Nele havia um poema de Chica Ilhéu, escrito em 2006:

 INQUIETUDE

“Inquietude… por ser assim

Por não me contentar

Como quem procura o fim da estrada.

Inquietude… de explorar o infinito

Viajando nas asas de um grito!

Na eterna busca, desmedida

Desgastada, ando perdida

Não sei se a procura do nada…

Ou se a procura da vida!

Inquietude… sinto

De quebrar amarras,

Viver ao sabor do tempo

Livre, livre como o vento

Como é livre o meu pensamento!

Inquietude… a eterna busca continua

Mas creio que um dia

Encontrarei o meu rumo,

Acabarei com essa Inquietude…

Se não for neste planeta

Quem sabe… noutro Mundo!

Oh Inquietude… eterna Inquietude!”

Guardo-me em profunda reflexão…

(*) – Botucatu, SP.

POR UM POUCO

“Escolhendo antes ser maltratado com o povo de Deus do que por um pouco de tempo ter o gozo do pecado”. Paulo – Hebreus, 11:25.

 

Nesta passagem refere-se Paulo à atitude de Moisés, abstendo-se de gozar por um pouco de tempo das suntuosidades da casa do Faraó, a fim de consagrar-se à libertação dos companheiros cativos, criando imagem sublime para definir a posição do espírito encarnado na Terra.

“Por um pouco”, o administrador dirige os interesses do povo.

“Por um pouco”, o servidor obedece na subalternidade.

“Por um pouco”, o usurário retém o dinheiro.

“Por um pouco”, o infeliz padece privações.

Ah!… se o homem reparasse a brevidade dos dias de que dispõe na Terra!

Se visse a exiguidade dos recursos com que pode contar no vaso de carne em que se movimenta!…

Certamente, semelhante percepção, diante da eternidade, dar-lhe-ia novo conceito da bendita oportunidade, preciosa e rápida, que lhe foi concedida no mundo.

Tudo favorece ou aflige a criatura terrestre, simplesmente por um pouco de tempo.

Muita gente, contudo, vale-se dessa pequenina fração de horas para complicar-se por muitos anos.

É indispensável fixar o cérebro e o coração no exemplo de quantos souberam glorificar a romagem apressada no caminho comum.

Moisés não se deteve a gozar, “por um pouco”, no clima faraônico, a fim de deixar-nos a legislação justiceira.

Jesus não se abalançou a disputar, nem mesmo “por um pouco”, em face da crueldade de quantos o perseguiam, de modo a ensinar-nos o segredo divino da Cruz com Ressurreição Eterna.

Paulo não se animou a descansar “por um pouco”, depois de encontrar o Mestre às portas de Damasco, de maneira a legar-nos seu exemplo de trabalho e fé viva.

Meu amigo, onde estiveres, lembra-te de que aí permaneces “por um pouco” de tempo.

Modera-te na alegria e conforma-te na tristeza, trabalhando sem cessar na extensão do bem, porque é na demonstração do “pouco” que caminharás para o “muito” de felicidade ou de sofrimento.

Emmanuel

(Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Fonte Viva. Cap. 42. FEB)

 

Chegar junto aos simples

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

“Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns. E eu faço isto por causa do evangelho, para ser também participante dele.” – Paulo1

“A bandeira que desfraldamos bem alto é a do Espiritismo cristão e humanitário, em torno da qual já temos a ventura de ver, em todas as partes do globo, congregados tantos homens, por compreenderem que aí é que está a âncora de salvação, a salvaguarda da ordem pública, o sinal de uma era nova para a humanidade.” – Allan Kardec2  

 

Após deixarmos os encargos na FEB, voltamos a ter contato com algumas realidades mais próximas de situações de vida das pessoas que habitam a periferia de grandes cidades.

Atualmente, em atividade junto a um Centro Espírita que atua em bairro e que presta apoio a famílias carentes, integramos a equipe que visita lares. Várias situações dramáticas vieram à tona. Entre elas, em visita a um casebre extremamente precário, próximo a uma ribanceira – e, paradoxalmente, com vista a distância para um belo bairro da cidade – vários dramas estavam presentes. A senhora responsável pela família, já com mais de 40 anos, estava grávida. Relatou que a gestação era resultante de violência sexual, mas que ela se recusou a praticar o aborto porque entendia que a criança não tinha nada a haver com a triste ocorrência. Um de seus filhos foi levado à força para o Estado de origem de antigo companheiro. O casal de filhos adolescentes, que conhecemos, também já tinham sido vítimas de violência sexual. A impunidade de tanta tragédia se oculta pela localização da “moradia” e de seus “vigilantes”… Além do apoio material e moral, o grupo espírita visitante presta também apoio espiritual. Ao se abrir O evangelho segundo o espiritismo – e que coincidência – foi lida a página “Os infortúnios ocultos” (Cap.XIII), seguida de uma prece.

Em outro momento totalmente distinto, precisamos comparecer a um órgão previdenciário, em momentos de demanda reprimida após uma greve, tendo sido agendado nosso comparecimento em agência de bairro periférico. Ao chegarmos ao local, enquanto aguardávamos nosso atendimento, observávamos o público presente: que tristeza! Pessoas idosas, doentes, com deficiências de locomoção; mães com crianças no colo e nas mãos… A aparência geral era sugestiva de vida extremamente difícil. E o detalhe extra, pois imaginávamos o óbvio, de que os presentes ali chegaram vencendo ainda distâncias grandes a pé ou de ônibus.

De outra feita, em outro ambiente, nos saguões de hospitais, observamos a situação terrível dos usuários da assistência de saúde estatal e a brutal diferença dos que tem garantia financeira ou de um razoável plano de saúde. Estes, em poucos minutos, passam pela burocracia do atendimento inicial e já tem acesso até a exames e tratamentos sofisticados.

Nesses três “flashes” vivenciados em poucos meses – um autêntico “choque de realidades” – provocaram-nos profundas reflexões sobre o papel dos espíritas junto ao meio social, e fazendo-se recordar, meio século atrás, quando nos períodos de adolescência e juventude labutávamos com nossa família na Instituição Nosso Lar – que vimos nascer – localizada num então bairro periférico da cidade de Araçatuba (SP).

Mesmo considerando as alterações que o país e o movimento espírita sofreram nesse período de tempo, há necessidade de se refletir sobre a atuação dos espíritas junto aos segmentos mais simples de nossa população. E há componentes agravados pela maior violência e pela disseminação das drogas e também há indícios de que há algumas incompatibilidades entre propostas e realidades.

Os Centros Espíritas – que representam a base do Movimento Espírita –, local onde as ações se corporificam, devem merecer atenção de seus dirigentes promovendo estudos, análises e diálogos, sobre as demandas da cidade ou dos bairros de uma cidade, sobre a adequação dos planos de trabalho – atendendo todas as faixas etárias e sociais – à efetiva realidade em que se encontram inseridos.

Em momentos preditos como o do “Consolador Prometido” são sugestivas as ações dos primeiros agrupamentos cristãos, reportados por Emmanuel nos livros Paulo e Estêvão, 50 anos depois e em Ave, Cristo! O registro do ex doutor da Lei é muito oportuno, ao se tornar homem do povo como na condição do apóstolo Paulo e que ele registrou na acima citada I Epístola aos Coríntios.1

Com essas anotações reiteramos as preocupações já externadas em Correio Fraterno do ABC3 e na Revista Internacional de Espiritismo4, onde registramos experiências notáveis de Espiritismo em ambientes simples, respectivamente, no Brasil, incluindo o exemplo de Chico Xavier, e na Guatemala.

 

Referências:

  1. I Cor., 9.22-23.
  2. Kardec, Allan. Trad. Ribeiro, Guillon. O livro dos médiuns. Item 350. Brasília: FEB.
  3. Carvalho, Antonio Cesar Perri. Espiritismo em ambientes simples. Correio Fraterno do ABC. Edição julho-agosto de 2015, p.7.
  4. Carvalho, Antonio Cesar Perri. Junto aos simples nas montanhas da Guatemala. Revista Internacional de Espiritismo. Edição de setembro de 2015, p.445.

(*) – Ex presidente da FEB e da USE-SP; membro da Comissão Executiva do CEI.

(Parte de artigo do autor publicado em Revista Internacional de Espiritismo. Edição de abril de 2016. Ano XCI, No. 3, p.37-38; e no Blog do GEECX  na Rede Amigo Espírita).

O lar e a sociedade

Antonio Cesar Perri de Carvalho

Na literatura espírita há clareza de que a família é a unidade básica da sociedade e exportadora de caracteres para a sociedade, que se deve ponderar sobre as relações entre educação e vivência no lar com as futuras atuações no movimento espírita e na sociedade em geral. Daí a afirmação de Emmanuel: "o lar é a melhor escola"1.

No convívio familiar é que se preparam administradores para os diversos níveis de atuação. Daí a oportunidade de considerações de O livro dos espíritos:

"Os laços sociais são necessários ao progresso e os laços de família estreitam os laços sociais" 2.

Desde o lar, deve-se concientizar para a interação social em condições participativas no movimento espírita e nas atuações profissionais e sociais. As pessoas não podem ser unidades sociais, mantedoras do status quo, mas preparadas para atuarem como indivíduos que poderão modificar padrões culturais. Isto se inicia com a convivência salutar e o cultivo de valores ético-morais, que se expressam pelo respeito ao outro, como pessoa e como espírito, logicamente imortal e reencarnado. As bases para a ética na política estão muito relacionadas com os lares e os processos culturais e religiosos. A política e os políticos não devem ser genericamente arrolados como maus ou corruptos. Só a participação esclarecida é que renovará o quadro político. A alienação não traz contribuições e nem soluções. O aparecimento de escândalos é sinal de que eles vêm à tona e há de liberdade para tal. O aperfeiçoamento da democracia depende dos políticos e, basicamente, do povo. Que o povo tenha lares bem estruturados!

Nos processos eleitorais, os lares têm papel importante, mesmo porque os jovens de 16 anos já podem ser eleitores. Os candidatos devem ser selecionados pelas suas ações passadas e presentes, pelas suas propostas, incluindo linhas partidárias. Nesta análise, são válidos desde os aspectos da vivência familiar até a compatibilização ético-moral com projetos claros e atuais. Sobre isto, as "Leis morais" de O livro dos espíritos oferecem parâmetros significativos.

Para avaliação dos fatos políticos e até para a seleção de candidatos, o conhecimento espiritual e espírita é relevante e pode contribuir com os processos de escolha e de transformação. Em nota de rodapé, Allan Kardec já comentava a questão 930 de O livro dos espíritos:

"Quando o homem praticar a lei de Deus, terá uma nova ordem social fundada sobre a justiça e a solidariedade, e ele mesmo também será melhor" 2.

Essa análise se enquadra no apelo da ONU, efetivado durante o "Ano Internacional da Família", em 1994, de "contribuir para construir a família, a menor democracia no coração da sociedade"

Esse programa da ONU é que motivou a USE-SP apresentar a proposta da Campanha "Viver em Família" ao Conselho Federativo Nacional da FEB, a qual foi aprovada em novembro de 1993, gerando várias publicações e ações sobre o tema.

Referências:

  1. Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. O consolador. Ed.FEB, questão 110.
  2. Kardec, Allan. O livro dos espíritos. Ed. FEB, questões 774 e 930.

(Síntese adaptada de textos do autor, extraídos de seus livros: A família, o espírito e o tempo. São Paulo: Ed. USE, 1994; Espiritismo e modernidade. Visão da sociedade, família, centro e movimento. São Paulo: Ed. USE, 1996).