Yvonne Pereira – orientadora sempre atual e necessária

Yvonne Pereira – orientadora sempre atual e necessária

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

A convite do Grupo Espírita Casa do Caminho, de São Paulo, desenvolvemos um estudo sobre mediunidade com base nos capítulos VI e VII do portentoso livro Memórias de um suicida, do espírito Camilo Cândido Botelho, psicografado por Yvonne Pereira. O tema central é o atendimento de espíritos suicidas prestado pelo Instituto Correcional Maria de Nazaré no Mundo Espiritual e a atuação da Legião dos Servos de Maria.

Nos capítulos citados o autor espiritual focaliza as relações do Instituto e da Legião com agremiações de estudo e experiências mediúnicas. Os depoimentos do autor – o destacado escritor luso Camilo Castelo Branco -, mas utilizando um pseudônimo, se desdobram em profundos e oportunos esclarecimentos. Quantos cuidados, amor e dedicação por parte da Legião junto ao centro espírita que serviu de base para os atendimentos fraternos!

Em função da preparação de nosso estudo, fizemos uma autêntica viagem no tempo, relembrando episódios da vida missionária de Yvonne Pereira e de momentos que vivemos na relação com sua obra e pessoa. Temos conhecimentos das dificuldades que a médium enfrentou para a publicação do livro Memórias de um suicida, que veio a lume em 1954, anos após a conclusão.

Yvonne do Amaral Pereira (1900-1984) sempre nos suscitou admiração pelos seus exemplos de vida, pela sua obra mediúnica, culminando com o privilégio de a conhecermos em janeiro de 1977, juntamente com a esposa Célia, em seu lar no Rio de Janeiro, onde residia com a irmã Amália Pereira Lourenço, levados pelo amigo comum Altivo Pamphiro, então presidente do Centro Espírita Léon Denis, da mesma cidade. Aliás, no Centro citado havia a colaboração de uma sobrinha de Yvonne, juntamente com o esposo. No nosso histórico encontro desenvolveu-se um diálogo muito instrutivo e esclarecedor. Em parte sobre alguns fatos já anteriormente registrados em Devassando o invisível, e outros episódios mais detalhadamente relatados por ela, pouco tempo depois, na revista Reformador, utilizando o pseudônimo de Frederico Francisco.

Yvonne manteve amizade, muitos contatos e correspondência com Chico Xavier. Durante uma longa fase de sua vida fazia palestras. Nos livros, palestras e diálogos era lídima defensora das obras de Allan Kardec e das ações simples. Dezenas de luminares espirituais se manifestaram pela sua mediunidade, mas Bezerra de Menezes era um orientador constante e inclusive no receituário homeopático.

Em atividades como diretor da FEB, tivemos a oportunidade de visitar e desenvolver trabalhos doutrinários em cidades fluminenses em junho de 2010, juntamente com Edmar Cabral Jr. (da equipe da secretaria geral do CFN da FEB) e acompanhados pelo diretor do CEERJ Humberto Portugal e proferimos palestra alusiva aos 124 anos do Grêmio Espírita da Beneficência, em Barra do Piraí (RJ), onde ela atuou e há um pequenino museu. Já liberado de encargos na FEB, em agosto de 2016, a convite do Instituto Espírita Bezerra de Menezes, de Niterói, integramos a Caravana Yvonne Pereira, coordenada por Hélio Ribeiro, e proferimos palestras sobre a obra da médium, em várias cidades: Niterói, Rio de Janeiro, Miguel Pereira, Vassouras, Barra do Piraí e Valença.

Sempre fomos admirador da vida e dos livros mediúnicos de Yvonne Pereira. Alguns livros por ela redigidos estavam “perdidos”. Graças à compreensão da família dela, a intercessão e o apoio do então diretor da FEB Affonso Soares – esperantista e amigo de Yvonne -, foi possível recuperar e publicar nos anos 2013 e 2014, durante nossa gestão na FEB (*), quatro volumes inéditos da dedicada médium – A família espírita, Evangelho aos simples, As três revelações, Contos amigos -, que constituem uma série de obras voltada à família, a crianças e jovens e à reunião do Evangelho no lar. Esses livros foram elaborados pela médium entre 1964 e 1971 e contam com orientação e mensagens de Bezerra de Menezes.

O conjunto dessas quatro obras de Yvonne A. Pereira constitui um formidável repositório para utilização em várias situações da difusão dos princípios espíritas, facilmente adaptáveis para diversas faixas etárias e sociais e se enquadrando em distintos contextos para o ensino espírita. Essas obras de Yvonne podem servir de roteiro ou texto básico não apenas para as reuniões com crianças e adolescentes e de Evangelho no lar, mas também em reuniões com adultos, notadamente em ambientes cujo público alvo seja constituído de pessoas mais simples.

Os livros mediúnicos de Yvonne Pereira devem merecer mais atenção, difusão e estudo no movimento espírita!

(*) – O autor foi presidente interino da FEB -2012/2013- e presidente – 2013/2015.

Quando há luz

Quando há luz

“O amor do Cristo nos constrange” – Paulo. (2ª Epístola aos Coríntios, 5:14.)

Quando Jesus encontra santuário no coração de um homem, modifica-se-lhe a marcha inteiramente.

Não há mais lugar dentro dele para a adoração improdutiva, para a crença sem obras, para a fé inoperante.

Algo de indefinível na terrestre linguagem transtorna-lhe o espírito.

Categoriza-o a massa comum por desajustado, entretanto, o aprendiz do Evangelho, chegando a essa condição, sabe que o Trabalhador Divino como que lhe ocupa as profundidades do ser.

Renova-se-lhe toda a conceituação da existência.

O que ontem era prazer, hoje é ídolo quebrado.

O que representava meta a atingir, é roteiro errado que ele deixa ao abandono.

Torna-se criatura fácil de contentar, mas muito difícil de agradar.

A voz do Mestre, persuasiva e doce, exorta-o a servir sem descanso.

Converte-se-lhe a alma num estuário maravilhoso, onde os padecimentos vão ter, buscando arrimo, e por isso sofre a constan-te pressão das dores alheias.

A própria vida física afigura-se-lhe um madeiro, em que o Mestre se aflige.

É-lhe o corpo a cruz viva em que o Senhor se agita crucificado.

O único refúgio em que repousa é o trabalho perseverante no bem geral. Insatisfeito, embora resignado; firme na fé, não obstante angustiado; servindo a todos, mas sozinho em si mesmo, segue, estrada a fora, impelido por ocultos e indescritíveis aguilhões…

Esse é o tipo de aprendiz que o amor do Cristo constrange, na feliz expressão de Paulo.

Vergasta-o a luz celeste por dentro até que abandone as zonas inferiores em definitivo.

Para o mundo, será inadaptado e louco.

Para Jesus, é o vaso das bênçãos.

A flor é uma linda promessa, onde se encontre.

O fruto maduro, porém, é alimento para Hoje.

Felizes daqueles que espalham a esperança, mas bem-aventurados sejam os seguidores do Cristo que suam e padecem, dia a dia, para que seus irmãos se reconfortem e se alimentem no Senhor!

Emmanuel

(Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Fonte viva. cap. 74. FEB)

As reflexões sobre o Pacto Áureo e o futuro do movimento espírita

Especial

As reflexões sobre o Pacto Áureo e o futuro do movimento espírita

Eliana Haddad

Na tarde de 19 de outubro, sábado, foi realizado na sede da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo o Seminário "70 anos do Pacto Áureo – História e Reflexão", com considerações alusivas ao passado, presente e futuro do movimento espírita.

Contando com a presença de representantes de órgãos espíritas paulistas e das entidades inicialmente patrocinadoras a Federação Espírita do Estado de São Paulo (Roberto Watanabe), a Liga Espírita do Estado de São Paulo (Silvio Neris da Silva e Alcides Barbosa) e a Sinagoga Espírita Nova Jerusalém (Daniel Quinto e Sergio Ruiz Piovesan), o evento analisou o histórico acordo assinado em 5 de outubro de 1949 entre o presidente da Federação Espírita Brasileira e representantes de algumas federativas estaduais do Sul e do Sudeste e que resultou na criação do Conselho Federativo Nacional da FEB.

O seminário (coordenado por Maurício Romão, diretor da USE-SP), contou com exposições de Antonio Cesar Perri de Carvalho sobre "Da fundação da USE até o Pacto Áureo"; Júlia Nezu sobre “A prática do Pacto Áureo”, e Rosana Amado Gaspar, atual presidente interina da USE, sobre o tema "Construindo o futuro".

Em seguida, os expositores responderam a perguntas, formuladas pelos presentes, dirigentes de centros e órgãos da USE, principalmente da Capital e alguns do interior.

Além de representantes da USE Regional de São Paulo e dos órgãos que a compõem, estiveram presentes os representantes das USEs Intermunicipais de São José do Rio Preto (Silvana Aparecida Correa), Catanduva e Mauá.

Seguem abaixo trechos das exposições e respostas ao público dos palestrantes.

Sobre o presente

“Uma reflexão que fazemos para o momento atual é com respeito ao Conselho Federativo Nacional. Diz o Pacto Áureo que a FEB criará um Conselho Federativo Nacional permanente com a finalidade de executar, desenvolver e ampliar os planos da sua organização federativa. O CFN hoje congrega os 27 estados brasileiros e não podemos tirar o mérito do Conselho. Apesar de hoje funcionar como um órgão subordinado à FEB, e sua estrutura não ser ideal no nosso modo de ver, sua ação contribuiu para o crescimento e a difusão do espiritismo no Brasil inteiro, principalmente nos estados do Norte e Nordeste. No Sul, por exemplo, os cursos começaram a ser adotados pelas casas espíritas, tivemos o Edgard Armond que fundou as escolas na Federação Espírita do Estado de São Paulo e outras iniciativas. Assim, não tivemos por aqui carências tão grandes dessa ajuda mútua que acontece no CFN.

Não estamos aqui para tirar os méritos daquilo que já aconteceu e também a importância desse trabalho conjunto realizado pelo CFN.

Na época do Nestor Masotti e do Cesar Perri [ex-presidentes da FEB], pensamos que teríamos algumas aberturas, com participação mais coletiva do movimento espirita através das federativas dentro do CFN. Havia um regimento e essa abertura foi uma tentativa para democratizar um pouco mais e para que as federativas pudessem ter maior poder de ação.

Ao nosso ver, o Pacto Áureo serviu para esses 70 anos, construiu-se muito, e ninguém nega o valor do trabalho que as federativas realizaram, o trabalho dos diretores e seus esforços em levar o movimento espírita com uma direção segura.

Penso que o Pacto Áureo foi escrito para um tempo, mas ele continua norteando algumas coisas no movimento espírita e talvez seja sobre isso que tenhamos que refletir. Não é alterar o Pacto Áureo, mas seria um novo pensar, um novo direcionamento, uma adequação aos tempos atuais para a exigência de um movimento espirita mais amadurecido.” (Júlia Nezu)

Sobre o futuro

“Quando falamos de movimento espírita, de construção de futuro, percebemos que o passado pode alterar o nosso presente. E começamos a ter um ponto de vista diferente do que tínhamos quando estudamos a história, constatando que é com as nossas ações no presente que podemos mudar o futuro.

As ações corajosas do Pacto Áureo conseguiram consolidar, fortalecer o CFN – Conselho Federativo Nacional. Os Estados têm suas federativas, que são exitosas e atuantes.

De certa maneira, graças a esses homens e à participação da Federação Espirita Brasileira, conseguimos ter um CFN fortalecido atualmente e é por conta disso mesmo que estamos conversando sobre este assunto.

Vemos que no Pacto Áureo alguns itens geram polêmicas, como seu primeiro item, e que em algumas gestões vários itens foram atualizados através de documentos, como: Orientação ao centro espírita e Orientação aos órgãos de unificação.

Kardec diz que não há nenhum documento, nenhum contrato entre os espíritas para que eles se reúnam. O que deve haver é a fraternidade entre os homens. E, também, que um dos maiores obstáculos que poderiam entravar a propagação da doutrina seria a falta da unidade.

Jesus conclama para que coloquemos a candeia acima do alqueire e a nossa postura é de construção sempre. Não é de dissensão, de desarmonia, mas de construir, de modificar, de melhorar o que já está estabelecido." (Rosana Amado Gaspar)

Um documento histórico

"No movimento espírita, a gente tem uma ideia de conservação, mas vamos lembrar quantas constituições o Brasil já teve nesses anos. Existe alguma coisa mais importante do que a constituição do país? Ou um acordo de união escrito num momento histórico significativo, marcante, um documento cabível para aquele momento? Temos que pensar nisso. O que é documento histórico e o que é vigente.

O mais importante é que haja uma maior atuação administrativa das federativas no CFN. Pressupõe-se que o presidente de uma federativa tenha vivência espírita de seu estado e isso deve ser valorizado no Conselho. Essa era uma ideia do ex-presidente Nestor Masotti e nossa, que o sucedemos. Todavia há dificuldade em se compreender por que a diretoria da FEB é eleita por um conselho superior, composto por pessoas físicas e não por federativas. E essas pessoas físicas são indicadas pela diretoria da FEB. Em mais de 130 anos de existência, a FEB teve apenas dois presidentes que caminharam efetivamente (pelo Movimento Espírita) do tempo de mocidade espírita, direção de centro espírita, direção de órgão de unificação, direção de federativa, até chegar à presidência.” (Antonio Cesar Perri de Carvalho)

Transcrito de:

Jornal Dirigente Espírita, USE-SP, São Paulo. Ano XXX, No. 174. Novembro/Dezembro de 2019. P. 8 e 9.

MARCHA DAS FAMÍLIAS CONTRA AS DROGAS

MARCHA DAS FAMÍLIAS CONTRA AS DROGAS

Em dezenas de cidades brasileiras ocorreu no dia 3 de novembro (domingo) a “Marcha das Famílias contra as Drogas” em reação contra proposta que tramita no STF de liberação das drogas. O ministro Osmar Terra, do Ministério da Cidadania, manifestou-se favoravelmente à “Marcha das Famílias Contra as Drogas”. Ocorreu neste domingo, dia 03 de Novembro, em todo o Brasil. Em São Paulo a concentração aconteceu na Av. Paulista defronte ao MASP às 14 horas, com manifestações de lideranças de organizações sociais e de políticos. Ali estiveram o casal Célia e Cesar Perri, e, Ismael Gobbo. Depois a Marcha seguiu em direção ao Viaduto do Chá.

Resenha em site acadêmico de livro sobre Espiritismo e Espiritualidade 

Resenha em site acadêmico de livro sobre Espiritismo e Espiritualidade 

Novas perspectivas nos estudos do espiritismo e da espiritualidade

Lucas Baccetto (*) 

http://orcid.org/0000-0003-4367-6839

Universidade Estadual de Campinas – Campinas – SP – Brasil.

SOUZA, André Ricardo; SIMÕES, Pedro; TONIOL, Rodrigo. (org.), Espiritualidade e Espiritismo: reflexões para além da religiosidade. São Paulo: Porto de Ideias, 2017. 244p. pp.,

Resultado de uma mesa redonda do II Simpósio Internacional da Associação Brasileira de História da Religião (ABHR), realizado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 2016, o livro Espiritualidade e Espiritismo: reflexões para além da religiosidade propõe uma atualização dos debates acadêmicos sobre o espiritismo no Brasil e a noção de “espiritualidade”. Organizado por André Ricardo de Souza, Pedro Simões e Rodrigo Toniol, a obra divide-se entre estes dois eixos temáticos: enquanto o primeiro, intitulado “Questões do espiritismo no Brasil”, apresenta uma unificação temática mais concisa relativa ao espiritismo, o segundo, intitulado “A espiritualidade sob olhares que cruzam fronteiras”, privilegia a análise da espiritualidade como categoria analítica e como fenômeno empírico.

O primeiro capítulo, escrito por Marcelo Ayres Camurça, Jacqueline Amaro e André Pereira Neto, aborda a figura de Luiz Mattos, fundador do grupo Espiritismo Racional e Científico Cristão na década de 1910, e seu trabalho de liderança na produção de diferenças em relação ao espiritismo consolidado e às religiões de matriz afro-brasileira. Esse grupo advogava por uma interpretação de cunho científico das obras de Allan Kardec e das experiências e instrumentos espíritas, considerada pelos autores como uma abordagem comum dentro do panorama histórico da época.

O texto em seguida, de autoria de Flávio Rey de Carvalho e Antonio Cesar Perri de Carvalho, debruça-se sobre o contexto da aparição do espiritismo na França e sobre os textos fundadores de Allan Kardec para tentar responder à pergunta já clássica em torno das práticas espíritas: seria o espiritismo uma religião? Retomando a obra de William James, os autores utilizam a divisão “religião institucional” versus “religião pessoal” para analisar os textos de Kardec e argumentam que o espiritismo, para James, só pode ser considerado uma religião quando entendido do ponto de vista pessoal. No entanto, ao recuperarem o desenvolvimento institucional do espiritismo no Brasil e o papel assumido pela Federação Espírita Brasileira (FEB), os autores constatam que existe um desenvolvimento da “religião institucional” do espiritismo.

Na esteira da questão das organizações espíritas no país, o capítulo da socióloga Célia da Graça Arribas centraliza sua análise nas lideranças e autoridades espíritas kardecistas e nas suas relações com a produção da crença. Para isso, a autora constrói tipologias para os tipos de autoridades desempenhadas por sujeitos formadores do que ela denomina de clericato, isto é, “um modo de exercício de um poder religioso a partir de um saber específico”. Assim, as autoridades são repartidas em: 1) institucional, que se articula através da legitimidade de uma posição ocupada pelo agente; 2) carismática, “de caráter emocional” e vinculada à ruptura com a tradição; e 3) intelectual, ordenadora da crença espírita.

Já o capítulo escrito por Pedro Simões, apresentado na sequência, investiga a assistência social praticada por grupos espíritas no estado de Santa Catarina. Por meio de uma pesquisa quantitativa, o texto procura estabelecer perfis e mapear o que identifica como a prática de caridade nessa região. Partindo do lema “fora da caridade não há salvação” como referencial organizador da prática espírita, Simões enquadra o trabalho assistencialista como uma forma institucionalizada da realização de ações de caridade e, portanto, um meio para a salvação espiritual do sujeito caridoso. Desse modo, os atores caracterizam a assistência tanto através da salvação do agente caridoso quanto da incorporação da ação evangelizadora nela, identificando os sujeitos assistidos como necessitados espiritualmente. O autor conclui que a assistência possui características religiosas e endógenas, pois sua prática visa tanto à salvação espiritual daquele que a realiza quanto à integração no interior do grupo espírita daquele que é assistido.

O sociólogo André Ricardo de Souza realiza uma análise do médium João Berbel, praticante de cirurgias espirituais e líder do Instituto Medicina do Além (IMA). Devido ao passado turbulento da prática mediúnica, Berbel relata ao autor o receio existente nas instituições espíritas perante as cirurgias promovidas por ele, sendo a expressão desse receio a não filiação do IMA a alguma outra instituição de maior porte. No entanto, através da comparação com outros dois personagens – o médium João de Deus e a escritora Zíbia Gasparetto -, Souza defende a hipótese de que a legitimação de Berbel diante do movimento espírita decorre da destinação para a caridade dos recursos financeiros obtidos nas cirurgias.

A segunda parte do livro inicia-se com o capítulo escrito pelos antropólogos Emerson Giumbelli e Gustavo Chiesa a respeito dos fenômenos de materialização de espíritos realizados pela médium Anna Prado, entre os anos de 1918 e 1921 em Belém do Pará. Embora presente na segunda seção do livro, o capítulo funciona como um texto de ligação entre as duas partes da obra na medida em que analisa um fenômeno considerado espírita ao mesmo tempo que problematiza as fronteiras entre religião e ciência articuladas na definição do fenômeno. Para tanto, a atenção dos autores direciona-se para os agenciamentos desempenhados pelos objetos nas sessões em questão. De fato, é através dos objetos que as disputas entre as fronteiras da religião e da ciência se fazem latentes, uma vez que os moldes em parafina produzidos pelos espíritos eram entendidos como evidências científicas e religiosas.

O sétimo capítulo é de autoria do antropólogo Rodrigo Toniol e trata do processo de mobilização da categoria espiritualidade como uma questão de saúde. O caso analisado é o da implementação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) na cidade de Severino de Almeida (RS) e, especificamente, da contratação e atuação de dois parapsicólogos no atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no município. Assim, sua abordagem prioriza a maneira pela qual a espiritualidade foi acionada pelos diferentes agentes engajados no projeto, tratando tanto da atuação dos parapsicólogos na condição de experts da espiritualidade quanto de suas práticas clínicas que permitem instituir a espiritualidade.

O capítulo seguinte é escrito pela antropóloga Diana Espírito Santo e aborda as experiências oníricas de visão experimentadas por praticantes da religião afro-cubana Santeria. A chave de análise articulada pela autora concentra-se na questão do sujeito mesmo que sonha. Esta escolha lhe permite pensar os sonhos em sua relação com o processo no qual os espíritos internos – guias espirituais legítimos – são defendidos de espíritos externos relacionados à bruxaria, sendo estes potencialmente maléficos e desestabilizadores para a religião afro-cubana. Considerando que a noção do “eu” em operação entre os adeptos da religião entende os espíritos como potencialidades virtuais para o desenvolvimento da pessoa, os sonhos atuariam, assim, na qualidade de tecnologias de constituição do sujeito. Isso porque, ao desvelarem o mundo dos espíritos através das visões, explicitariam esses dois conjuntos de agentes que se colocariam como possibilidades conflitivas para a identidade. Em um contexto de medo da bruxaria, o sonho assume uma posição na configuração do processo de autorrepresentação do sujeito na sua vida religiosa que, sendo informado por esta, atua como uma espécie de mecanismo de defesa contra a dissolução do “eu” diante da visão e da possessão dos espíritos estranhos ao sujeito.

Por fim, o livro encerra-se com o capítulo escrito pela socióloga Courtney Bender, baseado no trabalho de campo realizado por ela na cidade de Cambridge, em Massachusetts (EUA), entre grupos de praticantes metafísicos das crenças de reencarnação. Através de uma reconstrução das discussões norte-americanas da segunda metade do século XIX, a autora busca compreender como as práticas contemporâneas de reencarnação se encontram ligadas a seu passado histórico, ainda que de modo não consciente por parte dos atores. Dessa forma, é através do acompanhamento do caso de Cathy que a socióloga afirma que as práticas contemporâneas de tomada de conhecimento das vidas passadas não fazem simplesmente uma substituição do tempo histórico por um tempo mítico, mas complexificam essas noções de tempo e história.

De fato, o livro entrega discussões importantes. Na primeira parte, os textos percorrem temas caros ao campo espírita na Academia brasileira – como o papel das lideranças e o confronto entre definições religiosas e científicas. Na segunda, o título em questão dá a tônica dos capítulos: uma ampla variedade de temas que orbitam em torno de diversas noções de espiritualidade, passando desde praticantes metafísicos da crença da reencarnação nos Estados Unidos até políticas assistenciais estatais à dimensão espiritual da saúde da população. São as multiplicidades temáticas e as perspectivas originais da segunda parte que apresentam o maior valor da obra, introduzindo novidades teóricas e temáticas importantes ao campo da Antropologia.

Assim, o ponto de maior fôlego criativo se dá no rastro deixado pelo subtítulo, que indica a possibilidade de colocar a religião e a espiritualidade em perspectiva, pensando-as para fora de seus limites aparentes a partir de suas relações com a variedade de campos (ciência, políticas estatais, etc.) presentes nos casos trabalhados. Trata-se de reflexões para além da religiosidade.

REFERÊNCIAS:

SOUZA, André Ricardo; SIMÕES, Pedro. Espiritualidade e Espiritismo: reflexões para além da religiosidade. São Paulo: Porto de Ideias, 2017, 244pp.

[ Links ] Recebido: 11 de Maio de 2018; Aceito: 22 de Julho de 2019.

(*) Contato:lucas.baccetto@gmail.com Mestrando em Antropologia Social na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP, Brasil.

DO SITE DA SCIELO (copie e cole):

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-85872019000200222&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

Livro “Armas para quê? em São Paulo

Livro "Armas para quê? em São Paulo

No dia 6 de novembro, às 19 horas, será lançado o livro "Armas para quê?", de autoria de Antonio Rangel Bandeira (sociólogo, do Rio de Janeiro), na Livraria da Vila, Rua Fradique Coutinho, 915, Vila Madalena, em São Paulo. Tem o apoio da Editora LeYa Brasil, Instituto Sou da Paz, Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Livraria da Vila. Também haverá um bate-papo do autor com Sérgio Adorno (USP), Carolina Ricardo (Instituto Sou da Paz), Coronel José Vicente da Silva Filho (ex-Secretário Nacional de Segurança Pública) e Renato Sérgio de Lima (Fórum Brasileiro de Segurança Pública).

Chico Xavier e Cristo serão temas em Uberaba

Chico Xavier e Cristo serão temas em Uberaba

A cidade onde Chico Xavier atuou por muitos anos, sediará a 2a. Jornada Espírita de Uberaba, nos dias 15 a 17 de novembro, promoção do Instituto Revelare e com apoio de várias Instituições. Tema central: "O que o Cristo espera de nós". Evento gratuito com atividades para jovens e adultos. A palestra de abertura será feita por Antonio Cesar Perri de Carvalho e lançando seu livro "Chico Xavier – o homem, a obra e as repercussões" (USE-SP e EME). No final haverá uma roda de prosa espírita com os expositores convidados: Paulo Figueiredo, Anete Guimarães, Rafael Papa, André Sobreiro, Hyago Mainieri e Cesar Perri.

Base para interpretação das profecias

Base para interpretação das profecias

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Há pouco tempo ocorreram dois fatos coincidentes: recebi convite para desenvolver palestra sobre o tema “Profecias espíritas: sim ou não?” no Centro Espírita N.S.Nazaré, em Itupeva (SP); o outro fato ocorreu num grupo de mensagens onde um confrade escreveu: “Há espíritas fazendo mais previsões do que ciganos…”

De imediato, lembramos que em função de algumas interpretações que são feitas sobre a chamada “transição planetária”, reunimos a equipe da antiga secretaria geral do Conselho Federativo Nacional da FEB que fez um estudo, em seguida publicado em série de três artigos na revista Reformador1, tendo como fundamentação as obras de Allan Kardec, notadamente A Gênese.

Realmente é um tema que deve merecer estudo na seara espírita, principalmente à luz da sesquicentenária obra A Gênese. Aliás, esta tem como subtítulo “Os milagres e as predições segundo o Espiritismo”, e, no final, dois capítulos: “Os tempos são chegados” e “Sinal dos tempos”.2 Logicamente, a partir desta obra estabelecemos a linha de raciocínio para desenvolvermos a palestra proposta.

De início, cabe um breve retrospecto à “Escatologia”, que significa "estudo das últimas coisas", um ramo do conhecimento que trata dos acontecimentos do fim dos tempos descritos na Bíblia e é um tema que surge em muitos livros da Bíblia. A escatologia bíblica cristã, ao considerar a consumação de todas as coisas, cuida de explicar a vida após a morte, o fim dos tempos, o retorno de Jesus, a ressurreição, o Juízo Final. Ocupa-se também do estudo do final dos tempos e da segunda vinda do Cristo. Paulo de Tarso tece considerações sobre tais temas em suas epístolas e chega a lutar com dificuldades em virtude de deturpações e extremismos criadas pela temática, conforme registra em sua 2ª Epístola aos Tessalonissenses. Da mesma forma, o apóstolo sempre lutou contra os chamados “falsos profetas”.

A essa altura devemos fazer um registro pois na história e tradição judaica têm destaque os profetas.

O chamado profetismo bíblico deve merecer atenção à parte conforme destaque feito por Herculano Pires em sua obra O Espírito e o Tempo3. Em síntese, Herculano Pires considera: o profeta tinha ligações diretas do Deus individual com o indivíduo humano e não necessita mais dos sacerdotes, nem dos deuses; profeta hebreu seria um indivíduo tridimensional: o social; o mediúnico; e o espiritual. Eram plenos de dignidade pessoal, de consciência da sua missão divina, e não temiam denunciar os poderosos do tempo. A tônica da tendência religiosa hebraica responde pela característica espiritual do profetismo, que atinge a sua maior amplitude graças ao fato histórico da vulgarização do monoteísmo.3

Desses fatos pode-se compreender a origem das informações proféticas e anúncios de finais do mundo que sempre estiveram presentes notadamente na trajetória do Cristianismo. Todavia, torna-se importante recorrermos à Obra da Codificação.

Em A Gênese, há trechos marcantes do Codificador: “O resultado final de um acontecimento pode, pois, ser certo, já que está nos desígnios Deus. Mas, como frequentemente, os detalhes e o modo de execução são subordinados às circunstâncias e ao livre-arbítrio dos homens; os caminhos e os meios podem ser eventuais. Os Espíritos podem nos alertar sobre o conjunto, se for útil que sejamos prevenidos. Mas para precisar o lugar e a data, eles deveriam conhecer previamente a decisão que tal ou qual indivíduo tomará.”2

Inclusive Kardec comenta sobre “a forma misteriosa e cabalística da qual Nostradamus nos oferece o exemplo mais completo dá-lhe certo prestígio aos olhos do homem comum, que lhe atribui tanto mais valor quanto mais sejam incompreensíveis.”2

Em outra parte, Kardec lembra que “a humanidade contemporânea tem também seus profetas; mais de um escritor, poeta, literato, historiador ou filósofo pressentiu, em seus escritos, a marcha futura dos acontecimentos que se veem realizar atualmente. […] Mas, frequentemente também, ela é o resultado de uma clarividência especial…”2

Sobre o futuro, o Codificador também alerta que “a fraternidade será a pedra angular da nova ordem social, mas não há fraternidade real, sólida e efetiva sem estar apoiada sobre uma base inabalável. Essa base é a fé; não a fé em tais ou quais dogmas particulares que mudam com o tempo e os povos e que se apedrejam mutuamente…”2

Portanto, Kardec pondera que “a época atual é a da transição: os elementos das duas gerações se embaralham. Colocados no ponto intermediário, presenciamos a partida de uma e a chegada da outra, a cada qual se distingue no mundo pelas características que lhe são próprias.”2

Na sequência, tece considerações sobre a “nova geração marchará para a realização de todas as ideias humanitárias compatíveis com o grau de adiantamento ao qual tenha chegado. […] A nova geração, devendo fundar a era do progresso moral, distingue-se por uma inteligência e uma razão geralmente precoces, somadas ao sentimento inato do bem e das crenças espiritualistas. É o sinal incontestável de um certo grau de adiantamento anterior.”2

Interessante é que Kardec dá mais importância às transformações morais e espirituais do que às alterações físicas cíclicas de nosso orbe.

Em histórica obra elaborada antes da eclosão da 2ª Guerra Mundial, Emmanuel discorre sobre o porvir, de uma forma bem geral, analisando no capítulo “A América e o futuro” alguns aspectos como: “Em torno dos seus celeiros econômicos, reunir-se-ão as experiências europeias, aproveitando o esforço penoso dos que tombaram na obra da civilização do Ocidente para a edificação do homem espiritual, que há de sobrepor-se ao homem físico do planeta, no pleno conhecimento dos grandes problemas do ser e do destino. […] Nos campos exuberantes do continente americano estão plantadas as sementes de luz da árvore maravilhosa da civilização do futuro.”4

E surgem algumas anotações sérias sobre o futuro da Humanidade: “Mas é chegado o tempo de um reajustamento de todos os valores humanos. Se as dolorosas expiações coletivas preludiam a época dos últimos ''ais'' do Apocalipse, a espiritualidade tem de penetrar as realizações do homem físico, conduzindo-as para o bem de toda a Humanidade. […] O cajado do pastor conduzirá o sofrimento na tarefa penosa da escolha e a dor se incumbirá do trabalho que os homens não aceitaram por amor. Uma tempestade de amarguras varrerá toda a Terra. […] Condenada pelas sentenças irrevogáveis de seus erros sociais e políticos, a superioridade europeia desaparecerá para sempre, como o Império Romano, entregando à América o fruto das suas experiências, com vistas à civilização do porvir. Vive-se agora, na Terra, um crepúsculo, ao qual sucederá profunda noite; e ao século XX compete a missão do desfecho desses acontecimentos espantosos.”4

As anotações de Emmanuel são, no geral, coerentes com textos evangélicos: “No mundo tereis grandes tribulações, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo” (João, 16,33). O versículo seguinte, no entendimento espírita, pode ser interpretado como intensos intercâmbios com o “céu aberto”, ou seja, manifestações de ordem espiritual: “Na verdade, na verdade vos digo que daqui em diante vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem” (João, 1, 51).

A essa altura, são cabíveis as advertências registradas no Novo Testamento com relação aos “falsos profetas”. Entre outras: “Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, … Porventura colhem-se uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos? […] Portanto, pelos seus frutos os conhecereis. (Mateus, 7, 15, 20).

As interpretações deturpadoras e alarmantes de profecias e previsões de domínio público e ainda outras que são atribuídas a médiuns já desencarnados muitas vezes causam inseguranças e temores. Isso sem se discutir a questão doutrinária e a coerência do perfil e das obras públicas dos eventuais envolvidos. Sobre isso, Emmanuel analisa em tom esclarecedor: “[…] em sobrevindo a divisão das angústias da cruz, muitos aprendizes fogem receando o sofrimento e revelando-se indignos da escolha. Os que assim procedem, categorizam-se à conta de loucos, porquanto, subtrair-se à colaboração com o Cristo, é menosprezar um direito sagrado.”5

E, finalmente, para os novos crentes na “parusia” – que ainda aguardam um retorno do Cristo -, Emmanuel anotou de forma clara: “Os homens esperam por Jesus e Jesus espera igualmente pelos homens.”6

Nessas rápidas pinceladas sobre o polêmico tema profecias, entendemos que merece ser estudado e analisado com base nas Obras Básicas da Codificação e aquelas que são coerentes e complementares às mesmas. Há necessidade de bom senso e fundamentação em conhecimentos científicos atuais e, no nosso caso, fidelidade às obras de Allan Kardec. O pouco estudado livro A Gênese, deve merecer mais atenção na seara espírita!

Referências:

1) Equipe Secretaria Geral do CFN da FEB (Org.) Transição para a Nova Era. Reformador. N. 126. Outubro de 2010; A transição e o caminho para a Nova Era. Reformador. N.127. Novembro de 2010; A transição e o papel do Espiritismo. Reformador. N.128. Dezembro de 2010.

2) Kardec, Allan. A gênese. Os milagres e as predições segundo o Espiritismo. Cap. XVII e XVII. São Paulo: FEAL. 2018.

3) Pires, José Herculano. O espírito e o tempo. 1ª parte. Cap. IV. São Paulo: Ed.Pensamento, 1964.

4) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. A caminho da luz. Cap. 24 e 25. Brasília: FEB. 2013.

5) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Pão nosso. Cap. 104. Rio de Janeiro: FEB. 2005.

6) Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Fonte viva. Cap. 17. Rio de Janeiro: FEB. 2005.

(Extraído de: Revista Internacional de Espiritismo, edição de agosto de 2019)

(*) Ex-presidente da FEB e da USE-SP.