E os congressos espíritas?

E os congressos espíritas?

Antonio Cesar Perri de Carvalho (*)

Historicamente, e de início, lembramos que monumentais obras surgiram em função dos primitivos Congressos Internacionais, como Depois da morte, de Léon Denis, e, Animismo ou espiritismo, de Ernesto Bozzano.

Evento marcante e pioneiro foi promovido pelo presidente da FEB Leopoldo Cirne para comemorar o centenário de nascimento de Allan Kardec, em 1904, e discutir propostas de união, quando surgiu o documento “Bases de Organização Espírita“.

Do 1º Congresso Espírita de São Paulo (1947) nasceu a União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo. (1)

O 1º Congresso Espírita de Unificação Espírita (1948) gerou propostas para a união dos espíritas brasileiros. (2)

No Congresso Nacional Espírita da Espanha (1992) foi aprovada a criação do Conselho Espírita Internacional. Vários congressos espíritas tiveram temas vinculados à comemoração de significativas efemérides do movimento espírita.

Desde os tempos de estudante universitário e como jovem espírita frequentamos congressos. Nas duas condições tivemos a oportunidade de vivenciar excelentes momentos de aprendizagem, intercâmbio e de confraternização. Também vivemos diferentes oportunidades de participar do planejamento e da organização de congressos nas áreas acadêmicas e espíritas. Em razão dessa vivência diferenciada e que atingiu várias décadas, atualmente observamos os congressos espíritas num misto de admiração e de muita preocupação.

Entre momentos e fatos marcantes, em que pesem os convites a lideranças e expositores expressivos no conhecimento doutrinário, nota-se que os congressos espíritas estão passando por situações e alterações preocupantes.

No tocante a temas e expositores, ocorrem algumas situações que dão a impressão do “mesmismo”, ou seja, programas com temas pomposos, dissociados das maiores demandas do movimento espírita; a repetição de grupos de expositores ao longo dos congressos promovidos pelas mesmas instituições, e, até algumas exaltações de egos. Mesmo que o evento não tenha as características do real conceito de “congresso” – geralmente ligado a conclusões deliberativas ou reunião que visa tratar de determinados assuntos, comunicar trabalhos, apresentar propostas ou trocar idéias -, espera-se que os eventos, com qualquer designação que tenha, tragam contribuições efetivas, com repercussões frutíferas às pessoas e ao movimento espírita. Há vários indícios de tendências de elitização, ou, pelo menos, de dissociação da realidade do movimento espírita. Escolha de recintos, muitas vezes pomposos e de alto custo de locação. Existência de “salas vip” para atendimento de convidados. Em alguns casos, até agentes de segurança cercando convidados. Comercialização de muitos produtos, lembrando até “feiras”, incluindo livros não necessariamente espíritas. Eventos planejados para gerar fonte de receita para a entidade promotora. Valores de taxas de inscrição altos, em geral acima das condições do espírita em geral.

Sem dúvida, nesse contexto, o ambiente de fraternidade, simplicidade e espontaneidade ficam diminuídos.

Todavia, há também diversos esforços interessantes. Tomamos a liberdade de destacar três episódios ligados a congressos espíritas; nos dois primeiros casos atuamos como dirigente da entidade promotora; respectivamente como presidente da USE-SP e da FEB, e no último relato na condição de convidado.

O primeiro episódio: nos idos de 1992, a União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo promoveu o 8º Congresso Estadual de Espiritismo, em Ribeirão Preto. Foi definido que o público alvo seria o dirigente e colaborador de centro espírita, justamente para tratar do tema central – centro espírita. Os coordenadores de cada sala /item de estudo, eram dirigentes de instituições do próprio Estado. No início do Congresso, os participantes receberam um caderno já contendo o resumo de todos os temas tratados. Em seguida ao evento a USE-SP promoveu seminários no Estado com o objetivo de multiplicar os temas abordados, já disponíveis também em fitas de vídeo cassete, que eram utilizadas na época. (1)

O segundo: por ocasião dos 150 anos de O evangelho segundo o espiritismo, em 2014, a FEB promoveu o 4º Congresso Espírita Brasileiro. Ocorreram alguns diferenciais: rompendo com a realização de eventos nacionais centralizados, o Congresso foi efetivado simultaneamente em quatro regiões do país: Manaus, Campo Grande, Vitória e João Pessoa, o que facilitou e ampliou a presença de espíritas de todas as partes do país. Embora o programa fosse comum, os expositores convidados foram selecionados em reuniões das Comissões Regionais do Conselho Federativo Nacional (CFN), incluindo a participação de conferencistas das regiões. Na escolha de sedes para os eventos, deu-se preferência a locais mais simples e menos custosos. A grande novidade foi que os congressistas, durante os eventos, recebiam em livros da FEB (preço de capa) o valor da taxa de inscrição previamente paga. Destacamos que o citado Congresso foi superavitário conforme prestação de contas apresentado ao CFN da FEB em 2014. (2)

E finalmente o terceiro: em junho de 2017, a comemoração dos 70 anos de fundação da USE-SP teve como ponto alto a realização do 17º Congresso Estadual de Espiritismo, na cidade de Atibaia. Além de palestras e salas com work shops temáticos, o diferencial foi a realização de “rodas de conversa” vinculadas ao tema central: “Passado, presente e futuro em nossas mãos”, Foram escolhidos seis temas para tais “rodas”, bem ligados a questões do centro e do movimento espírita: Qualidade doutrinária na literatura espírita; Práticas estranhas no centro espírita; Teorias científicas e Espiritismo; Sexualidade e afetividade; Política e Espiritismo; O desafio de educar além de instruir no centro espírita. Para atender a todos congressistas que se inscreviam em um tema, cada “roda de conversa” foi realizada em dois horários. No último dia, os coordenadores das “rodas de conversa” apresentaram em plenário a síntese das discussões e as conclusões ou recomendações de seus grupos. Ouvimos muitas manifestações destacando a oportunidade e o valor iniciativa.(3)

Isso posto, parece-nos que é chegado o momento para reflexões, avaliações e, provavelmente, o redirecionamento dos congressos espíritas.

Afinal, realizamos congressos espíritas por quê? Como? Para quê?

Fontes:

1) Carvalho, Antonio Cesar Perri. História da USE [palestra]. 17o Congresso Estadual da USE-SP. Junho de 2017.

2) 4o Congresso Espírita Brasileiro. Reformador. Junho de 2014. P.53-57.

3) Carvalho, Antonio Cesar Perri. Práticas estranhas no centro espírita. Revista internacional de espiritismo. Setembro de 2017.

(*) – Ex-presidente da USE-SP e da FEB.

Extraído de: Carvalho, Antonio Cesar Perri. Congressos espíritas: por quê? como? para quê? Revista Internacional de Espiritismo, Ano XCII, No. 12, janeiro de 2018. P.626-627.