Bezerra de Menezes e Chico Xavier – O Médico e o Médium

Jorge Damas Martins (*)

 

O nobre Dr. Eurico Branco Ribeiro, a maior autoridade sobre a vida do Evangelista Lucas – Médico, Pintor e Santo -, discorre com propriedade sobre o sacerdócio na medicina, na Antiguidade e na Idade Média, no seu livro Lucas, o Médico Escravo:

Naquela época, bem como ainda no Século XV, o médico não podia casar-se. Tinha de ser celibatário. Era a tradição que assim impunha. Como é notório, o exercício da Medicina era feito pelos clérigos ou sacerdotes e esses não contraíam matrimonio. Assim, quando, ao tempo dos romanos, os escravos gregos eram encaminhados às escolas médicas, tiravam-lhes o direito de constituir família, pois deviam consagrar-se, inteiramente, a exemplo dos sacerdotes, aos cuidados assistenciais dos enfermos da carne e do espírito. Daí veio a concepção de que a prática da Medicina é um sacerdócio (capítulo 3, p. 18).

            Tal jugo foi abolido em 1452, continua o Dr. Eurico Ribeiro, numa bula apresentada pelo Cardeal Destouville na França, em que se permitia o casamento dos médicos.

            O nosso Dr. Bezerra de Menezes – o Médico dos Pobres – foi casado, e muito bem casado por duas vezes, mas concebia a Medicina como um sacerdócio, onde se podia exercer, da forma mais ampla, a divina caridade.

Bezerra, então, vai surpreender a sua tradicional família, de ricos fazendeiros, políticos e advogados, ao decidir de forma determinada o seu destino profissional: Quero ser médico!

            Alguns, porém, do seu círculo mais íntimo tentaram demovê-lo da Medicina – inclusive seu pai (A Casa Assombrada, p. 124[1]) -, e, galhofando, replicavam o provérbio citado por Jesus sobre as dificuldades de aceitação, tanto dos profetas como dos médicos em sua terra natal: Médico, cura-te a ti mesmo (Lc., 4:23). E, insistiam:

Desgraçada profissão! Pode o que adotou empenhar o maior esforço e o maior saber por salvar da morte um ente querido dos que o chamam. Desde que a Ciência não vence o mal, porque o mal, é invencível, porque as fontes da existência se têm esgotado, maldições lhe chovem em cima. Foi o médico que matou o doente! Se, pelo contrário, a força de saber e solicitude, arranca à morte e aos vermes uma vida preciosa, nenhum merecimento se lhe reconhece. Foi Deus quem salvou o doente! (A Casa Assombrada, p. 118).

            Então – continuavam – por que estudar a Medicina?

            O nosso Adolfo perseverava:

Por duas razões do maior alcance, direi eu: a primeira é que o médico goza da maior independência; e não é coisa de pouca valia ter-se garbo de abusar da sua autoridade. A segunda é que o médico, muito mais que o sacerdote, tem meios de exercer a divina caridade. Eu falo daquele que faz de sua profissão um sacerdócio, e não do que a utiliza como indústria rendosa (p. 118).

            Mais tarde, o Dr. Bezerra vai traçar com precisão cirúrgica o verdadeiro perfil da medicina missionária:

O médico, o verdadeiro médico é isto: não tem o direito de acabar a refeição, de escolher a hora, de inquirir se está longe ou perto o gemido que lhe chega aos ouvidos, a pedir-lhe, ao menos, o bálsamo da consolação, que já é suma caridade. O que não acode, por estar com visitas, por ter trabalhado muito e achar-se fatigado, por ser alta noite, ou ser mau o tempo, ou ficar muito longe e muito alto o lugar para onde é chamado; o que, sobretudo, pede um carro a quem não tem com quem pagar a receita, como meio de se esquivar ou de sondar se o chamado, lhe rende, e, na falta, diz ao que lhe chora à porta: “chame outro”; esse não é médico, é um negociante de medicina, que trabalha para recolher capital e juros do que gastou para se formar. Esse é um desgraçado, que manda para outro o anjo da caridade que lhe veio fazer uma visita e que lhe trazia a única espórtula que podia saciar a sede de riquezas de seu espírito, porque é a única que jamais perderá na carreira de suas vidas, embora os vaivéns de todas elas (Casamento em Mortalha, capítulo XV, Reformador, 1° de setembro de 1898, p. 3, col. 3).

* * *

            A Mediunidade missionária também é um sacerdócio!

            A principal referência sobre a mediunidade caritativa está alicerçada na rocha granítica das palavras do Médium de Deus, Jesus de Nazaré: De graça recebestes, de graça daí (Mt., 10:8). A única ressalva feita pelo Mestre é quando o médium se encontrar em visita fraterna ou em viagem de divulgação missionária, onde poderá receber hospedagem e comer e beber o que vos derem (Lc., 10:7). Esse é o único salário que merece o médium trabalhador.

            Chico Xavier é o maior exemplo do daí de graça

            Vejamos um pouco de história…

Na Grécia antiga a pitonisa ou médium do Templo de delfos, o mais famoso de todos, era chamada de sacerdotisa. Ela era treinada para o serviço da transmissão mediúnica passando por purificações que incluíam da abstinência sexual ao jejum.

O oráculo de Delfos funcionava em uma área específica, o adito ou área proibida, no núcleo do templo – hoje são as salas de reunião medianímica no centro espírita -, e por meio de um orientador específico, a pitonisa era escolhida para falar, como um médium de incorporação, em nome de Apolo, o deus da profecia. A pitonisa era mulher, algo surpreendente se levarmos em conta a misoginia grega. E, contrastando com a maioria dos sacerdotes e sacerdotisas gregas, a pitonisa não herdava sua posição pela nobreza de seus vínculos familiares. Ela poderia ser velha ou jovem, rica ou pobre, bem-educada ou analfabeta.

O nosso Chico Xavier foi treinado durante séculos, em inúmeras reencarnações, para o serviço da sensibilidade fenomênica. Sua entrega foi total ao serviço do mandato mediúnico, chegando mesmo à abstinência do casamento, não por restrição biológica ou preconceituosa, mas para uma dedicação exclusiva a tarefa que o Alto lhe traçou.

Escreveu mais de 400 livros, muitos best sellers, tendo todos os direitos autorais revestidos ao serviço da caridade sem limites. Não tinha hora para levantar nem para dormir, para mais servir seus semelhantes.

Ele dizia que sua felicidade era ser médium:

Eu me sinto feliz de ser obstinadamente médium. Eu gosto de ser médium, gosto dessa palavra. Quero ser médium. É tudo que eu sempre quis ser.

Não posso ser vaidoso de mim mesmo, pois tudo que fiz, não foi feito por mim, mas pelos espíritos.

Sei que a obra é de Jesus, que o serviço é do Alto, mas não ignoramos que os Mensageiros Divinos precisam de mãos humanas. (100 Anos de Chico Xavier – Fenômeno Humano e Mediúnico, p. 433)

            É, um dos Mensageiros que se serviu da mediunidade abençoada de Chico Xavier foi o Dr. Bezerra de Menezes, coordenando duas quartas partes das atividades do grande medianeiro: O atendimento médico com receituário homeopático e a chamada escola mediúnica do além, de onde os desencarnados das mais diversas procedências, viam consolar mães, pais, parentes e amigos, fortalecendo-os na fé inabalável da eternidade da vida…

Bibliografia:

Ribeiro, Eurico Branco. Lucas, o Médico Escravo.  Livraria Martins Editora, São Paulo (SP), 1974.

Martins, Jorge Damas. Os Bezerra de Menezes e o Espiritismo – A Família, o Médico, o Político, o Empresário e o Espírita. Novo Ser Editora, 1ª Edição, Rio de Janeiro (RJ), 2011.

Martins, Jorge Damas. Entrevista “Paulo, Bezerra e Chico Xavier”. Reformador, março de 2015.

Menezes, Adolfo Bezerra. A Casa Assombrada.  Editora Camille Flammarion, 2ª edição, novembro/2001, Rio de Janeiro (RJ).

Baccelli, Carlos A. 100 Anos de Chico Xavier – Fenômeno Humano e Mediúnico. 2ª edição, LEEPP – Livraria Espírita Edições Pedro e Paulo, Uberaba (MG), 2010.

——. A Casa Assombrada. Editora Camille Flammarion, 2ª edição, 2001, São Paulo (SP).

——. Evangelho do Futuro. FEB, 2009, Brasília (DF).

 

(*) – Autor do livro Bezerra de Menezes e Chico Xavier – O Médico e o Médium. Rio de Janeiro: Ed. Ideia Jurídica, 2014.

 

1] Bezerra de Menezes tinha no estudo do Direito a “sua principal distração” (Evangelho do Futuro, p. 385). Ele também escreve: “estudava diariamente por duas horas, as matemáticas, que eram meu estudo favorito” (A Casa Assombrada, p. 121).